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Disparos contra Trump devem ter mesmo efeito político do que facada em Jair Bolsonaro

Episódio blinda republicano contra críticas mais duras e priva campanha de Biden de sua principal plataforma

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Patricia Campos Mello
Patricia Campos Mello

Vencedora do prêmios Maria Moors Cabot e Internacional de Liberdade de Imprensa, escreve sobre desinformação.

São Paulo

Ainda há poucas informações sobre o suposto atentado contra o ex-presidente Donald Trump deste sábado (13). Tudo indica, no entanto, que o episódio pode ter o mesmo efeito político que a facada levada por Jair Bolsonaro na campanha presidencial brasileira em 2018 —tornando ainda menores as chances de os democratas vencerem a eleição, com ou sem Joe Biden como seu candidato.

Homem idoso, branco, de cabelo loiro, com sangue escorrendo na lateral do rosto, mostra o punho em riste, amparado por homem branco, de cabelo escuro, óculos escuros, vestindo blazer escuro e camisa branca
Candidato republicano à presidência dos EUA, ex-presidente Donald Trump é amparado por um agente secreto após sofrer suposto atentado em comício na Pensilvânia. - Rebecca Droke/AFP

No Brasil, em 2018, a tentativa de assassinato de Bolsonaro em 6 de setembro, no meio da campanha eleitoral, gerou horas de cobertura na mídia, dominou as redes sociais e ensejou comoção nacional.

Durante um tempo, também blindou o então candidato de críticas mais duras que vinha sofrendo e reduziu as pressões para que participasse de mais debates.

Um evento do tipo no mês anterior à facada tinha sido desastroso, com Bolsonaro batendo boca com Marina Silva.

Após o incidente em Juiz de Fora, no entanto, o candidato ficou em licença médica. Depois do primeiro turno, mesmo liberado para compromissos, não foi a nenhum debate com o então candidato do PT, Fernando Haddad.

Nos Estados Unidos, o suposto atentado contra Trump priva os democratas de uma de suas principais armas – demonizar um candidato que tem muitos pontos fracos e cujo principal problema, para os eleitores independentes que são tão cruciais para esta eleição, era sua imagem como uma pessoa "desagradável", com quem se é difícil simpatizar.

Um repórter do New York Times que estava no comício de Trump relatou ter ouvido de um apoiador do ex-presidente, logo após os tiros: "Trump está eleito. Ele é um mártir".

A principal —e uma das poucas— plataformas de campanha dos democratas é que só o partido seria capaz de salvar a democracia dos EUA. Em outras palavras, diante de um candidato fraco como Biden, só o medo de um novo mandato do republicano seria o ponto de mobilização de eleitores.

Mas como ressaltar os defeitos do candidato neste momento de fragilidade? Como atacar "um mártir", como disse um de seus apoiadores?

Trump se transforma em uma vítima e há muito pouco espaço para políticos democratas criticarem o republicano neste momento. Seriam vistos como insensíveis e cruéis. As declarações uníssonas dos democratas em solidariedade ao republicano mostram o minúsculo espaço de manobra.

Biden fez uma declaração na noite de sábado, pregando a união do país e condenando a violência contra Trump. Disse também que tentou ligar para "Donald".

Os aliados de Trump não perderem tempo e começaram a culpar a "retórica agressiva" dos democratas pelo suposto atentado. Um dos cotados para a vaga de vice na chapa de Trump, o senador J. D. Vance, chegou a afirmar que foi esse discurso do partido opositor que "levou diretamente à tentativa de assassinato" de Trump".

Aliados e apoiadores do ex-presidente rapidamente começaram a compartilhar a foto em que Trump, com a lateral da cabeça ensanguentada e a bandeira dos Estados Unidos tremulando no fundo, aparece amparado pelos agentes do serviço secreto. A imagem lembra o quadro "A Liberdade Guiando o Povo", do pintor francês Eugène Delacroix —exatamente o tipo de imagem que uma campanha gostaria de passar.

No vídeo do suposto atentado, aliás, vê-se que Trump preserva seu instinto de fazer marketing mesmo nos momentos mais difíceis. Após ser atingido e se abaixar, ele se levanta, pede para pegar seus sapatos e diz aos agentes do serviço secreto: "Esperem, esperem, esperem". Aí ele olha para frente, para as câmeras, com o punho em riste.

Os democratas já tinham um problema gigantesco nas mãos. Doadores estão suspendendo suas contribuições para a campanha para pressionar Biden a desistir diante de seu desempenho pífio no debate de junho.

Sua entrevista ao jornalista George Stephanopoulos e a participação na coletiva após reunião da Otan não aplacaram aqueles que apontam o suposto declínio cognitivo do presidente americano.

Biden, no entanto, não parece disposto a desistir. A repercussão e investigação dos tiros no comício de Trump podem estancar, no curto prazo, os chamados para que o democrata abra caminho para outro candidato. Mas deixam ainda mais clara a necessidade de o partido mudar de rumo.

Com o suposto atentado contra Trump, os democratas, que já estavam com um candidato enfraquecido, perdem sua principal plataforma de campanha.

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