Descrição de chapéu Brasil-China, 50

Correspondente em Pequim viu surgir China de Deng, parceira do Brasil

Gerardo Mello Mourão desvendou o país após estabelecimento das relações diplomáticas e projetou 'crescimento vertiginoso' nas décadas seguintes

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Pequim

No momento em que o novo líder Deng Xiaoping (1904-1997) iniciava a abertura econômica chinesa, inclusive para o Brasil, desembarcou em Pequim Gerardo Mello Mourão, correspondente da Folha, em fevereiro de 1980. Um de seus primeiros textos foi sobre um discurso de Deng ao Comitê Central do Partido Comunista da China.

Representou o "epitáfio da política econômica" do líder anterior, Mao Tse-tung (1893-1976), escreveu ele, projetando que a China se tornaria, duas décadas depois, "um gigantesco mercado de consumo cujos efeitos multiplicadores garantem um crescimento vertiginoso".

Para Boris Casoy, editor-chefe que o enviou e meses depois foi visitá-lo na capital, "Gerardo desvendou a China, foi um desbravador, desempenhou esse papel". O país estava "começando a aparecer e era muito diferente, um outro mundo".

A imagem mostra dois homens em pé em uma escada, em frente a uma porta verde. O homem à esquerda está vestido com um traje escuro e óculos, enquanto o homem à direita usa um terno claro e carrega uma bolsa. O ambiente parece ser uma construção antiga, com paredes desgastadas.
O jornalista Gerardo Mello Mourão (à dir.) com o bispo católico Deng Yiming em 1982, em Macau; o religioso havia sido libertado no ano anterior na China, após 22 anos na prisão - Léa Mello Mourão - 1982/Arquivo pessoal

Mourão (1917-2007) ficou cerca de dois anos em Pequim, com uma cobertura atenta à economia e ao comércio bilateral. Já nas primeiras semanas, escreveu extensamente sobre a primeira reunião da Comissão Mista Brasil-China, que estabeleceu "as regras para as relações econômicas entre os dois países".

Mais do que isso, acrescentou ele, citando um negociador, a delegação brasileira de estatais como Vale e Banco do Brasil "desmistificou a China: aprendemos que os chineses falam claro e têm um senso pragmático e realista das negociações".

Um de seus entrevistados foi o embaixador Marcos Azambuja, que chefiou a comitiva e, pela parte brasileira, a própria comissão. "Foi então que começamos a ter canais de relação normal, com vínculos até hoje cada vez maiores, mais íntimos", relembra o diplomata.

Curiosamente, segundo um economista chinês ouvido posteriormente por Mourão, o modelo industrial do Brasil era visto então como "precedente importante" pelas autoridades de Pequim, pelo alto crescimento com base em importação de bens de capital e em mão de obra barata.

O correspondente não se limitou à economia. "Ele percorreu a China de alto a baixo e foi até a Mongólia, o Vietnã", conta um de seus filhos, o embaixador Gonçalo Mello Mourão. Por alguns dias, cobriu na fronteira vietnamita a última e breve guerra de Pequim.

Abriu uma de suas reportagens com as palavras de um coronel do Vietnã, Tran Cong Man: "Estamos de novo em guerra. Desta vez, é a China que nos está fazendo guerra. Como acontece quase ininterruptamente há 2.000 anos, estamos matando e morrendo todos os dias".

Casoy sublinha que Mourão "era um literato, um escritor," e recorda um texto em que comparava comidas extravagantes de uma cidade chinesa que visitou com aquelas do interior do Ceará, seu estado de origem.

Poeta, ele publicaria depois "Algumas Partituras" (Topbooks, 2002), que incluiu a seção "Lira da China", apresentando versões e adaptações, com suporte de um tradutor jesuíta, a partir de clássicos chineses.

Pouco antes de viajar para Pequim, já havia publicado "Mao Tse-Tung - Poemas" (Paz e Terra, 1979), com traduções suas a partir de edições em inglês e espanhol.

Mourão contava para amigos, segundo relatos na imprensa cearense, que foram tempos de isolamento, sem conseguir aprender a língua, e que por vezes parava para ouvir Luiz Gonzaga cantando "A Triste Partida" —e chorava.

Morou e trabalhou no quarto 4.006 do Hotel Pequim, com a mulher, Léa. Chegou a receber por algumas semanas o artista plástico Tunga (1952-2016), seu outro filho, que segundo Gonçalo saiu de Pequim adepto das tintas chinesas, as quais pedia para o pai enviar.

Azambuja relembra a trajetória política de Mourão no Brasil, antes de Pequim. "Olha, o Gerardo era uma pessoa muito polêmica, porque tinha um temperamento contencioso", diz. "Era bom jornalista, muito inteligente, mas combativo, um homem que tinha prazer na polêmica. Era, ao mesmo tempo, acusado de ser de direita e de esquerda."

O correspondente havia participado do movimento integralista na juventude. Foi preso várias vezes durante o Estado Novo (1937-1945) de Getulio Vargas e chegou a ser condenado à pena de morte, como lembra Casoy. Depois, eleito deputado federal pelo PTB, acabou detido também pela ditadura militar, em 1969.

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