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Maria Inês Fornazaro: Empresas privadas deveriam investir em ouvidorias

Quem foge do consumidor um dia terá de correr atrás dele. E, muito provavelmente, será tarde demais

Ex-ombudsman da Folha se reúnem em evento em comemoração aos 95 anos do jornal, em 2016
Ex-ombudsman da Folha se reúnem em evento em comemoração aos 95 anos do jornal, em 2016 - Danilo Verpa/Folhapress
Maria Inês Fornazaro

Uma das melhores vacinas contra os males que atacam a cidadania ---preconceito, violência, corrupção, desmandos, malversação de recursos públicos, pobreza e miséria--- é o instituto da ouvidoria.

A possibilidade de verbalizar suas insatisfações com prazo determinado para receber a resposta reduz a sensação de desamparo e de impunidade que, frequentemente, acometem o consumidor ---até porque devemos nos lembrar que também é eleitor, contribuinte e cidadão.

Há, atualmente, no Brasil, mais de 2.000 ouvidores em atividade. A primeira ouvidoria pública foi criada em 1986, pela prefeitura de Curitiba. Antes disso, em 1984, a Rhodia havia criado sua ouvidoria, e em 1989 foi a vez desta Folha, que inaugurou no país a figura do ombudsman na mídia.

Neste 16 de março, em que se comemora o Dia do Ouvidor, a Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman completa 23 anos. Tem se dedicado ao aperfeiçoamento profissional, ao fomento das ouvidorias e ao fortalecimento institucional desta atividade na área pública e na iniciativa privada. Já capacitou mais de 2.500 profissionais para o exercício da função.

Levantamento do Datafolha, divulgado há seis meses, comprovou que a taxa de conhecimento de ouvidoria é alta ---dois em cada três brasileiros adultos (67%) já ouviram falar desse canal de comunicação, principalmente na classe A e entre os de maior escolaridade. Nesse público, o índice alcança, respectivamente, 82% e 90%. O contato com a ouvidoria ajudou a resolver o problema dos entrevistados na maioria dos casos (73%). E a avaliação da relevância desse canal de comunicação é positiva: para 77%, o trabalho das ouvidorias é muito importante.

Embora reconheçamos que o Código de Defesa do Consumidor, que entrou em vigor em 1991, tenha sido o marco legal que pavimentou o caminho das ouvidorias, não podemos deixar de observar que essa atividade se desenvolveu muito mais na área pública do que nas organizações privadas. Essa distância só não é maior porque teles, bancos, seguradores, operadoras de planos de saúde têm o dever de oferecer esse canal de comunicação, determinado pelas agências reguladoras.

As empresas de áreas não reguladas, contudo, parecem ainda não ter compreendido que a ouvidoria é uma segunda instância, posterior ao contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), que pode evitar, por exemplo, contendas judiciais. Além disso, a ouvidoria é inigualável na identificação de falhas de processos que provocam insatisfação do consumidor. Ao receber reclamações dos clientes, tem todas as condições de indicar melhorias que evitarão novos litígios.

Não é preciso ser um analista político para perceber que os brasileiros estão cansados de ser enganados. Que não suportam mais ser vítimas do desgoverno, que leva estados tidos como mais desenvolvidos a atrasar o pagamento de salários do funcionalismo e deixar serviços públicos vitais em situação precária. O consumidor está aprendendo a cobrar seus direitos.

O CDC é uma das melhores legislações consumeristas do mundo. Impactou positivamente as relações de consumo e nos ensinou, pouco a pouco, a valorizar nossos direitos. Quem ainda desdenha da ouvidoria  deveria mudar seu pensamento. A melhor gestão de crise é a que evita esse tipo de acontecimento. Ouvir seus públicos é um investimento de amplo retorno, não somente financeiro, mas em termos de credibilidade e de boa reputação.

O custo de uma ouvidoria é muito baixo, irrisório até, se considerados os benefícios que traz à organização. Quem foge do consumidor um dia terá de correr atrás dele. E, muito provavelmente, será tarde demais.

MARIA INÊS FORNAZARO é presidente da Associação Brasileira de Ouvidores ( ABO Nacional)

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