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No limite das Coreias

Reunião entre líderes do Sul e do Norte constitui passo importante para pacificar a península

Kim Jong-un e Moon Jae-in, que cruzaram a linha demarcatória desmilitarizadas da península Coreana
Kim Jong-un e Moon Jae-in, que cruzaram a linha demarcatória desmilitarizadas da península Coreana - Korea Summit Press Pool/AFP

As mãos dadas dos líderes Kim Jong-un e Moon Jae-in —que atravessaram juntos a linha que assinala a fronteira entre as Coreias do Norte e do Sul no encontro desta sexta (27)— marcam uma reaproximação cujos avanços, de tão acelerados até agora, suscitam tanto entusiasmo quanto desconfiança.

Pelo ângulo otimista, difícil não observar progresso quando um dirigente norte-coreano pisa pela primeira vez no solo vizinho desde que a então Coreia se dividiu, há 65 anos, em consequência de um confronto da Guerra Fria nunca encerrado oficialmente.

Há que saudar, ademais, a declaração conjunta em que as partes se comprometem a negociar um acordo definitivo de paz e perseguir o objetivo de livrar a península de armas nucleares.

Tais promessas vêm apenas cinco meses após o último teste de Pyongyang com um míssil capaz de carregar uma ogiva de material radioativo. Só em 2017, o regime realizou 16 experimentos relacionados a seu programa atômico. O clima hostil aumentou a tal ponto que um conflito com o Ocidente —leia-se EUA— parecia próximo.

Cumpre destacar o papel do presidente sul-coreano em mudar um cenário pré-bélico num intervalo tão curto. Moon Jae-in enfrentou o ceticismo internacional e até a resistência dentro de seu país para convencer Kim Jong-un a dialogar.

Partiu dele a iniciativa para a simbólica participação de atletas do Norte na Olimpíada de Inverno, realizada numa cidade sul-coreana em fevereiro.

A partir disso, as conversas evoluíram de tal modo que até Donald Trump, há não muito tempo disposto a “destruir completamente” a Coreia do Norte, reconheceu como “muito bom para o mundo” o processo diplomático em curso.

O porvir, entretanto, requer cautela, já devidamente expressa pela Casa Branca e pelos demais atores acostumados a lidar com Pyongyang. Afinal, Kim Jong-il, pai do atual ditador, se reuniu por duas vezes com líderes sul-coreanos e fez promessas semelhantes, mas as negociações fracassaram.

Não se mostram claras, ainda, as razões pelas quais Kim Jong-un decidiu interromper os testes nucleares e abrir um canal de negociação. Se o suposto arsenal representa talvez sua única arma dissuasória, não parecem fazer sentido tratativas para renunciar a tal recurso.

Soa um contrassenso, em tese, ampliar as relações com Seul. O intercâmbio poderá deixar mais evidente à população norte-coreana a ruína à qual está submetida —um risco a se levar em conta para um regime que se sabe insustentável.

A carta de boas intenções será colocada à prova quando o ditador se encontrar com Trump, possivelmente nas próximas semanas. Decerto, o mandatário americano vai cobrar medidas concretas e rejeitar diversionismos do outro lado.

Aguarda-se, também, a posição da China, principal fiadora de Kim e pressionada a agir para contê-lo. O aceno de paz na fronteira constitui passo importante, mas o fim de décadas de hostilidade passa além do limite das Coreias.

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