Descrição de chapéu

O teto de gastos federais deve ser revisto? NÃO

A ordem dos fatores altera o produto

Senadores participam da sessão de votação da PEC do teto de gastos, em 2016
Senadores participam da sessão de votação da PEC do teto de gastos, em 2016 - Alan Marques - 13.dez.16/Folhapress
Roberto Luis Troster

O foco do debate deveria ser outro. O objetivo da emenda constitucional em análise foi de pôr um limite ao crescimento das despesas do governo e evitar o aumento rápido da relação da dívida pública/PIB.

A justificativa apresentada era que, com o teto dos gastos, a dívida cresceria menos, o país ganharia credibilidade dos investidores, que aumentariam o investimento, gerando consequentemente mais crescimento e empregos.

Há três falhas nesse argumento, que são sobre: o objetivo da política econômica, a dinâmica do endividamento e o controle de despesas.

Mais apropriado teria sido e é colocar o emprego como o foco mais importante da política econômica. O crescimento e a solvência do Estado devem ser vistos como instrumentos para aumentar a oferta de postos de trabalho, não o contrário. Uma expansão do PIB para poucos não é legítima.

Outra deficiência no raciocínio é que a relação dívida pública/PIB é uma fração que depende de outros componentes além dos gastos públicos, que devem ser considerados. No numerador são a receita fiscal e a estrutura financeira do balanço do setor estatal; e no denominador é o crescimento do PIB.

A arrecadação fiscal é ruim —com muitos tributos e alocados equivocadamente— e piorou. Um exemplo foi a alta nas alíquotas dos impostos dos combustíveis no ano passado, agravando o custo do transporte; outro é que se elevou a tributação das cooperativas de crédito e simultaneamente mantêm-se algumas aplicações financeiras isentas. Aumenta o ônus sobre quem produz e se mantêm os privilégios de quem vive de juros. Como se tributa é importante.

Outro ponto é que a estrutura financeira do governo apresenta espaços para melhorias. Um exemplo seria a venda de um quarto das reservas internacionais, o que as manteria acima do mínimo recomendado pelo Fundo Monetário Internacional e implicaria uma queda da dívida pública equivalente ao gerado em dois anos de déficits primários.

Mais atenção deveria ser dada ao denominador da fração dívida pública/PIB; quanto maior for o crescimento da economia, menor será a taxa de expansão dessa relação. Há medidas que dariam um impulso rápido que são ignoradas. Um exemplo seria a eliminação dos compulsórios bancários. Só isso representaria uma injeção de recursos dez vezes superior à liberação dos R$ 39 bilhões do PIS anunciada este mês.

A terceira falha nos argumentos apresentados é que se analisa apenas o quanto o governo gasta e não como ele faz isso. Há muitos absurdos nas despesas públicas.

Um exemplo é o ensino universitário gratuito para todos, quando muitos dos alunos têm condições de pagar. Quanto gastar o teto já definiu, e é demais; a questão é como fazer isso melhor.

Em síntese, não é o teto dos gastos que tem que ser revisto, mas sim a política econômica, que deve ser repensada. Existe a percepção de que a economia brasileira está numa armadilha sem escapatória de um ajuste fiscal forte, desemprego alto e postergação de investimentos. Esse entendimento é falso.

A armadilha existe, mas é outra, dada pelas convicções sobre o potencial de transformações do Brasil, com riquezas naturais enormes, inflação baixa, equilíbrio externo sólido, capacidade ociosa e um capital humano formidável.

Uma revisão da política econômica pode fazer mágicas para o país. É importante demais para ser elaborada apenas em Brasília.

Roberto Luis Troster

Doutor em economia e consultor, ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.