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Cyro Laurenza

Tombamento não precisa ser um castigo

É possível reabilitar construções sem prejuízo ao dono

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Cyro Laurenza, presidente do Conpresp, em entrevista à Folha em 2017 - Adriano Vizoni - 15.dez.17/Folhapress
Cyro Laurenza

A destruição do Museu Nacional do Rio de Janeiro nos dá a dimensão da ineficácia da preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural do Brasil. Nada é fácil quando a nação não prioriza a proteção da conquista técnica e artística do cidadão. E questões menores travam condutas públicas eficazes por meio de um cipoal de leis, decretos, portarias, que mais imobilizam do que apoiam ações benéficas aos bens públicos.

Em São Paulo, 70% do patrimônio histórico pertencem ao privado, e o restante ao poder público federal, estadual ou municipal. Nos últimos dois anos na presidência do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), observo que é possível desvincular o tombamento de um castigo, se adotadas uma série de medidas.

Após meses de análise de determinado bem com potencial de tombamento, seu proprietário, imobilizado desde a notificação oficial, não terá nenhum incentivo. Se o reformar, deverá observar regras de edificações antigas, que são complexas e caras.

O resultado dessa dificuldade técnico-financeira é concreto na cidade, na qual obras conservadas, como nosso Teatro Municipal, convivem com imóveis que agonizam.

Em países onde há cultura de preservação, edificações são reformadas por artífices com critérios científicos. Aqui, teríamos que retomar, em maior escala e com perspectiva de futuro, a formação de tecnólogos e universitários para que nossa qualidade traspasse nosso tempo.

Diferentemente do senso comum, tombamento não pode ser resultado apenas de um parecer técnico. O ato de tombar deveria ser o resultado de uma política pública coerente que reúna instrumentos urbanísticos de compensação, estímulos técnicos e pecuniários, além de ser aplicado pelo consenso entre aqueles que representam a sociedade civil. Nessa complexa ação, preservação deve ser o cerne técnico da discussão, mas não o único.

Os dois conselhos de preservação que atuam em São Paulo, o Condephaat, do governo do Estado, e o Conpresp, como também o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), têm a prerrogativa de analisar determinado bem, o mesmo bem, e emitir seu parecer individual. Esse parecer pode ser diferente, ter orientações díspares entre si, mas seu consenso deve ser resolvido por meio do diálogo.

Desde 2017, conciliação se tornou uma realidade na cidade de São Paulo, com ampla discussão entre os três órgãos técnicos que assistem decisões superiores. Um benefício ao nosso patrimônio histórico que reduz demolições na calada da noite e diminui obrigações técnicas arbitrárias e políticas negligentes.

A formação cultural brasileira é muito diversificada. Múltiplas culturas que, se nos premiam com a diversidade, despertam certa tendência militante de grupos insensíveis ao diálogo, os quais levam a ferro e fogo suas crenças individuais, frustrando qualquer tentativa de consenso, mimetizando comportamentos similares às seitas que estão sempre prontas a acatar ordens de seus líderes.

Na vida cultural, esse comportamento é um contrassenso e atrasa por décadas soluções ao patrimônio histórico. O diálogo iniciado nesta gestão propõe reabilitar edificações históricas da cidade, afastar tragédias anunciadas e devolver ao paulistano seus espaços de memória.

Cyro Laurenza

Presidente do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo)

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