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Oliver Stuenkel

A Venezuela deve antecipar a realização de novas eleições? SIM

Único caminho para a reconstrução e reconciliação

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Pichação em muro de Caracas pede saída do ditador Nicolás Maduro - Juan Barreto/AFP
Oliver Stuenkel

Com vários líderes da oposição barrados, intimidação e coerção sistemáticas de eleitores, perseguição a jornalistas, sem a presença de observadores internacionais imparciais e uma Justiça Eleitoral controlada pelo chavismo, as eleições presidenciais da Venezuela em 2018 foram uma farsa.

Nicolás Maduro pode ter sido declarado vencedor, mas foi nessas eleições fraudadas que ele perdeu a legitimidade para governar a Venezuela. Em resposta correta e previsível, a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Grupo de Lima (entre eles, os maiores países latino-americanos, como Brasil, Argentina e Colômbia), a União Europeia, os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, entre outros, se recusaram a reconhecer o resultado.

Considerando a crise política e a terrível situação econômica, o país com as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo não tem saída fácil. A catástrofe humanitária levou cerca de três milhões de venezuelanos --quase 10% da população-- a fugir, muitas vezes trabalhando em condições miseráveis no exterior.

Mesmo que Maduro quisesse adotar uma política econômica mais sensata, não tem mais como fazê-lo. Para permanecer no cargo, permitiu que as Forças Armadas tomassem o poder. A Venezuela tem agora mais de 2.000 generais (nos EUA, em comparação, há menos de 1.000), muitos dos quais controlam setores-chave da economia, como a distribuição de alimentos e medicamentos, acumulando riquezas por meio da venda de produtos no mercado negro ou mediante arbitragem cambial.

Alguns no exterior que mantinham simpatia por Hugo Chávez ainda acreditam que haja um governo de esquerda em Caracas, mas a Venezuela hoje é nada mais do que uma cleptocracia militar. Não surpreende que Maduro tenha rejeitado o pedido da União Europeia para promover novas eleições. Em um processo realmente justo e transparente, idealmente sob a tutela da ONU, ele não teria a menor chance.

Novas eleições não são uma garantia para resolver os numerosos problemas da Venezuela. Muitas coisas podem --e provavelmente irão-- dar errado. Um novo governo enfrentaria o tremendo desafio de controlar os incontáveis "‹"‹generais que insistirão em uma anistia completa em troca de seu apoio. Eles poderiam facilmente restaurar o regime militar se não gostassem do vencedor, como aconteceu no Egito, onde os generais derrubaram o primeiro governo democrático depois da chamada Primavera Árabe.

A questão de quem recebe anistia dividirá a oposição, a qual também inclui certos grupos com convicções menos democráticas do que observadores internacionais otimistas gostariam de acreditar.

Qualquer sucessor de Maduro dependeria, paradoxalmente, do apoio dos chavistas no nível burocrático. Afinal, Chávez e Maduro fundiram Estado e partido a tal ponto que não restam tecnocratas neutros, e cassar qualquer um que simpatizasse com um ou outro deixaria o país ainda mais disfuncional.

Com uma geração dizimada por falta de educação, desnutrição e doenças antes consideradas do século passado, a recuperação do levará décadas, exigindo apoio de longo prazo da comunidade internacional.

No entanto, em comparação com a alternativa --a continuação de um governo ilegítimo e repressivo, cuja única fonte de poder são as Forças  Armadas--, o melhor cenário seria a promoção de eleições livres agora --e não em 2024, após outro mandato sob Maduro. Os venezuelanos merecem um retorno à democracia.

Oliver Stuenkel

Professor de Relações Internacionais da FGV em São Paulo

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