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Pérola Felipette Brocaneli

A área do elevado João Goulart, conhecido como Minhocão, deve ser transformada em parque? Sim

A reconexão da cidade com o verde

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Pérola Felipette Brocaneli

O elevado João Goulart, em São Paulo, não é o que se pode chamar de espaço ideal para a instalação de um parque e com certeza precisará de manutenção, como qualquer outra área pública da cidade.

Entretanto, se questões técnicas, estruturais e de mobilidade podem ser resolvidas, é importante considerar três pontos: a vontade popular; o uso já instalado no local; e o fato de que os espaços de contato do homem com a natureza nos centros urbanos muitas vezes foram relegados a segundo plano.
Este último cenário, no entanto, está em transformação. Reconectar as cidades aos espaços de natureza é um movimento contemporâneo.

Barcelona (1986-1992), por exemplo, preparou-se para receber a Olimpíada com projetos urbanos que permitiram o acesso de turistas e do povo catalão ao parque de la Barceloneta, à beira-mar. De 2002 a 2006, Seul trabalhou para revitalizar a paisagem do córrego Cheonggyecheon, melhorando as condições climáticas locais. E outro grande projeto urbano em Madri, concluído em 2011, recuperou o acesso à orla do rio Manzanares com 6 km de vias e parques. Em todos esses projetos o objetivo foi recuperar ambientes propícios ao contato do homem com a natureza, a fim de promover melhoria da qualidade de vida.

Estar ao ar livre e em contato com a natureza parece ser a maior reivindicação dos moradores da Barra Funda e da Santa Cecília ao ocuparem o elevado tanto à noite quanto aos finais de semana.

Para quem nunca esteve por lá, saiba que, ao subir a rampa de acesso junto à praça Marechal Deodoro, normalmente se depara com pais empurrando carrinhos de bebê, adultos ensinando crianças a andarem de patinete ou skate, pais e filhos chutando bola, pessoas caminhando ou correndo, além de ciclistas. À noite, uma vez e outra, encontra-se um vendedor de doces ou de água. 

Sobretudo nas férias e nos dias quentes, o elevado se assemelha a uma praia ou a um parque, onde os trajes não fazem diferença e o importante é se divertir ao lado de casa. O sentimento de “ganhar” a rua e o céu —procurar estrelas escondidas e encontrar a lua e sentir a brisa fresca— faz sonhar e areja os pensamentos. E esse exercício de cidadania em contato com a natureza parece surpreender e agradar a todos. 

A construção do elevado na década de 1970 priorizou o deslocamento e a mobilidade para uma São Paulo com quase 6 milhões de habitantes. Hoje, estima-se, há mais de 12 milhões e a cidade continua sofrendo com problemas relacionados a essas mesmas questões. 

Na região do elevado, em razão da infraestrutura de transporte existente, há interesse de parcela da população em residir naquela área. 

O Parque Minhocão, se instalado e adequadamente mantido, carregará a memória das escolhas do passado, dos impasses vividos e consolidará a conquista social de um espaço de lazer urbano contemporâneo, disponível para todos. Além disso, reconhecerá para a cidade formal o uso informal do elevado, que pouco a pouco obteve regulamentações devido à força da vontade popular. 

Ressalta-se que a população que está fomentando a instalação do parque é a mesma que apoiou a instalação de jardins verticais para refrigerar a cidade, transformando a paisagem e promovendo questionamentos sobre o verde no espaço público, e que pode vir a apoiar a reconexão da cidade com o rio Tietê para atividades de lazer e desportivas. 

Hoje, Parque Minhocão. Amanhã, Parque Tietê?

Pérola Felipette Brocaneli

Doutora em paisagem e ambiente pela USP e professora de arquitetura e urbanismo da FAU-Mackenzie

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