Descrição de chapéu
Roberto Luis Troster

O Copom deveria reduzir a Selic para estimular a economia? Não

Há outros caminhos para estimular a economia com o crédito

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

É fato, o efeito prático da redução da Selic para estimular a economia brasileira foi imperceptível. Desde outubro de 2016, quando a taxa estava em 14,25% e começou a ser reduzida até 6,5%, alguns juros cobrados diminuíram, mas não na mesma proporção, e outros aumentaram.

O efeito líquido da política de crédito foi negativo. A relação crédito/PIB caiu 3% e os números de cidadãos e de empresas com anotações de atrasos de pagamento bateram novos recordes históricos negativos, com impactos perversos no crescimento e no emprego do país.

Até os bancos foram prejudicados. As perdas de crédito foram superiores aos seus lucros. Dito de outra forma: teriam duplicado sua rentabilidade sem as perdas com a inadimplência.

O crédito anêmico é consequência de uma assimetria perversa na intermediação no Brasil. Os aplicadores têm tratamentos diferentes dos tomadores. São protegidos com exigências de transparência, da necessidade de certificação, da fiscalização e punição de distorções, de regras de precificação precisas e da tributação baixa. Há uma preocupação institucional para tornar o sistema seguro e gerar confiança aos depositantes. 

O mesmo não acontece para os tomadores. Falta transparência, as informações são complexas e incompletas. Usa-se taxa mês e taxa ano, dias úteis e dias corridos, com ou sem impostos, incluindo ou não a taxa de abertura de crédito. O resultado é que apenas cidadãos com conhecimentos sofisticados podem aferir o custo efetivo das operações. 

No país, crédito anêmico é consequência de uma assimetria na intermediação
No país, crédito anêmico é consequência de uma assimetria na intermediação - Fernando Frazão - 24.jul.12/Folhapress

Não existem regras de precificação e a escolha de linhas de crédito é restrita por algumas instituições, que podem mudar suas taxas intempestivamente, o que em momentos de apertos de liquidez induzem a escolhas erradas e a altas de inadimplência no médio prazo. 

A tributação é elevada, regressiva e complexa. Cobra-se proporcionalmente mais quanto menor for a operação e mais alta for a taxa. Para qualquer nível de juros e de inadimplência, a arrecadação de impostos é maior do que a parte dos bancos. Há situações em que mais da metade dos juros pagos vão para o governo. É uma política tributária extrativista do crédito.

A proteção contra abusos é praticamente inexistente. Há instituições cobrando mais de 500% ao ano em algumas modalidades. Uma prática que só pode gerar uma inadimplência elevada, fazendo com que bons pagadores paguem pelos maus e com perda nos valores de ativos dados em garantias.

Essas distorções e outras fazem com que o Brasil tenha uma relação crédito/PIB inferior à que tinha há quatro décadas, muito abaixo de seu potencial atual. Sua correção daria um impulso à atividade econômica e aumentaria a legitimidade e rentabilidade dos bancos.

Mais transparência, indução ao crédito responsável, certificação de operadores de crédito, escolha do consumidor na seleção de linhas e regras de precificação claras podem ser adotadas pelo conjunto das instituições sem necessidade de aprovação do Executivo ou do Legislativo.

O Banco Central poderia rever normas que tiram eficiência do sistema, como os maiores depósitos compulsórios do mundo, e algumas restrições operacionais desnecessárias. Uma calibração de alíquotas pela Receita Federal aumentaria a arrecadação e tornaria a tributação mais justa e eficiente.

Enfim, dá para estimular a economia com o crédito sem baixar a Selic. Para tanto, é imperioso mudar o paradigma de intermediação no Brasil. Há um grande potencial a ser usufruído.

Roberto Luis Troster

Doutor em economia e consultor, é ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.