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Clauber Leite e Michel Roberto O. de Souza

Subsídio de energia: quem paga e para quem?

Já passou da hora de o país rever esse tipo de medida

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Clauber Leite Michel Roberto O. de Souza

Todos sabemos que o fornecimento de energia elétrica no Brasil é caríssimo e de péssima qualidade. Porém, o que muita gente não se deu conta é que mais de 40% do valor que se paga todos os meses não é pela energia consumida, mas, sim, encargos (16%) —nos quais se inserem os subsídios— e tributos (28%).

Só o fato de os subsídios virem mascarados na conta de luz como “encargos” já pode ser considerado um problema. Mas existem outros. Nessa cota de subvenções, a grande parte do dinheiro do consumidor vai para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Seu objetivo é custear políticas públicas do setor, como a universalização do acesso à energia, a concessão de descontos tarifários a setores econômicos estratégicos e o fomento à competitividade de fontes alternativas.

Três coisas são fundamentais para entender a CDE: seu valor total, quem de fato paga e quem é beneficiado.

Em 2007, destinavam-se R$ 2,9 bilhões para a conta, e, no ano passado, já eram R$ 20 bilhões. A questão é: quem pagou por esse aumento? A resposta tem relação direta com o aumento da conta de luz.

Até 2014, grande parte desse subsídio era custeado com recursos da União (R$ 11,8 bilhões de R$ 18 bilhões) e era destinada a fins mais restritos. A partir daí, a CDE passou a incluir novas categorias de beneficiados e o valor remetido a esse subsídio continuou a ser ampliado, mas agora com grande parte do pagamento sendo repassada aos consumidores por meio da fatura de energia elétrica.

Com relação a quem é beneficiado, há pouca transparência. Desde 2017, as concessionárias do serviço de distribuição de energia são obrigadas a prestar essa informação à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o que foi cumprido por pouco mais de 50% das empresas. Mas só com isso o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), em pesquisa realizada no ano passado, já conseguiu verificar várias excentricidades.

Torres de transmissão de energia em Itaberá (SP)
Torres de transmissão de energia em Itaberá (SP) - Danilo Verpa - 11.nov.09/Folhapress

Do total de R$ 14,9 bilhões, 38% custearam energia para o segmento de atividades rurais e de irrigação, 24% foram para Tarifa Social e 23% ficaram com fontes alternativas. Entre os favorecidos do primeiro item, encontramos pessoas físicas que chegaram a receber R$ 9 milhões, além de clínicas, motéis, igrejas, imobiliárias, empresas de envasamento de água, cursos preparatórios, comércio de produtos farmacêuticos, entre outros. Já o terceiro incluiu supermercados, shoppings e condomínios, que, individualmente, também obtiveram milhões em descontos.

Além dos três citados, o segmento água, esgoto e saneamento, que favorece empresas públicas e concessionárias do setor, ficou com 8% da conta. Ou seja, o cidadão pagou mais caro pela energia elétrica, que é um serviço essencial, para baratear o acesso a outros serviços igualmente essenciais. Faz algum sentido?

Recentemente, após ampla consulta pública realizada pelo Ministério de Minas e Energia sobre a redução estrutural das despesas da CDE, o governo federal editou o decreto 9.642/2018, que reduz progressivamente os benefícios concedidos por meio da conta. Embora tímido, o ato foi positivo.

Agora, segundo noticiado, o atual governo federal cede vergonhosamente à pressão da bancada ruralista para revogá-lo, contrariando por completo o interesse público, conforme comprovam os dados aqui citados.

Já passou da hora de o Brasil rever essa política de subsídios que não param de aumentar, não são transparentes e têm destino questionável. Por se tratar de uma política pública, o ideal seria que as subvenções saíssem direto do Tesouro Nacional. Isso traria mais transparência e ampliaria a compreensão do cidadão sobre seu consumo.

A conta de luz não pode mais ser uma armadilha para o consumidor, um recurso para o Estado adquirir receita fácil para beneficiar setores específicos sem cumprir sua obrigação de planejar a geração e distribuição de energia elétrica no país.

Clauber Leite

Coordenador de projeto

Michel Roberto O. de Souza

Doutor em direito pela USP (Universidade de São Paulo) e advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

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