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Gilmar Mendes

Educação e ressocialização

Estímulo ao estudo é política de segurança pública

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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal - Carlos Moura/SCO/STF - 11.jun.19

​Além de abranger a necessidade de efetiva punição por crimes cometidos, qualquer debate sobre segurança pública deve perpassar a reinserção social dos presos após o cumprimento da pena. Diante da criminalidade endêmica, refletir sobre o destino dos egressos do sistema carcerário é imprescindível à quebra de um ciclo de delinquência, no qual a reincidência se mostra, muitas vezes, inevitável ao ex-detento.

Atentos a essa realidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm buscado soluções adequadas ao problema, pautando suas iniciativas e julgados nessa direção. Tal postura, por óbvio, não significa o abrandamento descuidado do regime prisional, mas o apreço por uma política responsável, em prol da mudança de comportamento do detento. A ressocialização por meio da educação é essencial à reinserção dos condenados na comunidade e à contenção da elevadíssima taxa de reentrada nos presídios.

Levantamento do Conselho Nacional de Justiça de 2018 revelou que quase 85% dos presos têm ensino médio incompleto. Destes, cerca de 26% não têm sequer o fundamental. Apesar da baixa escolaridade, apenas 12% deles estudavam em 2016. Esses dados evidenciam o imenso potencial de atuação do Estado e refletem uma triste realidade: a maioria dos egressos do sistema penal retorna ao convívio social sem qualquer qualificação profissional.

Diversas normas garantem ao detento o direito à educação. Muitas conferem a redução da pena pela formação em cursos e até pela leitura. Pela Lei de Execução Penal, a cada 12 horas na escola, o detento deve ter sua pena decotada em um dia. Se há conclusão do ensino fundamental, médio ou superior, o desconto cresce em um terço.

Para dar concretude a esse direito, o CNJ tem orientado os tribunais a implementarem medidas de estímulo efetivo ao estudo, a partir de atividades regulares e complementares, de cunho cultural, esportivo e de capacitação profissional. A resolução nº 44/2013 possibilita a diminuição da pena por meio de estudo por conta própria, atestado pela aprovação em exames que comprovem a conclusão do ensino fundamental ou médio.

Entretanto, a dura realidade do sistema prisional brasileiro chama o magistrado à responsabilidade de, ao julgar o caso concreto, atentar-se à mensagem do Judiciário aos internos e à sociedade. É fundamental garantir que, dentro da lei e de forma proporcional, haja verdadeiros estímulos ao preso para buscar a educação formal.

Em 2 de junho, deparei-me com uma situação que exigia tal ponderação. O caso, que chegou ao STF por meio de habeas corpus, discutia a diminuição da pena de um indivíduo que, por conta própria, havia estudado e logrado a aprovação no Enem. A recomendação do CNJ garantiria o reconhecimento de apenas 600 horas de estudo —metade da carga horária mínima do curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Na ocasião, entendi que esse cenário geraria uma séria inconsistência, insensível aos esforços do detento, os quais são claramente superiores aos de um aluno em curso regular ou na modalidade EJA. Estudando sozinho e em ambiente inadequado, ele teve êxito em exame de relevante complexidade, mesmo sem o apoio adequado de professores e com materiais didáticos limitados.

A despeito do grande avanço promovido pela resolução nº 44/2013, não se afasta a capacidade de o magistrado, atento ao caso concreto e com base em fundamentos idôneos, concluir em sentido diverso. Na situação em análise, verificou-se a necessidade de, ao menos, utilizar como base de cálculo a metade da carga horária do ensino regular, o que resultaria em 1.200 horas de estudo e, portanto, 133 dias a menos na pena.

A valorização de medidas socioeducativas no sistema prisional mostra-se relevante não apenas como forma de reconhecer os evidentes esforços do interno, mas também para garantir a reintegração do preso à sociedade. É fundamental definir incentivos adequados a todos aqueles que buscam, na educação, um caminho diferente do até então trilhado. Essa postura gera reflexos positivos na redução da reincidência e na construção de um sistema criminal mais eficiente.

 
Gilmar Mendes

Ministro do Supremo Tribunal Federal desde 2002 e ex-presidente da corte (2008-2010); doutor em direito pela Westfälische Wilhelms - Universität zu Münster (Alemanha)

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