Descrição de chapéu
Miguel Pereira Neto

A supremacia da presunção de inocência

A um acusado não podem ser aplicadas medidas irreversíveis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Miguel Pereira Neto

O tema da execução provisória da pena permanece na pauta do dia. Finalmente, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar nesta quinta-feira (17) as Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs 43, 44 e 54) propostas com o intento de revisar o entendimento da corte, firmado em 2016, de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência”.

As ADCs sustentam a constitucionalidade do irretocável artigo 283 do Código de Processo Penal, porque em consonância com o inciso 57 do artigo 5º da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

0
Ministros do Supremo Tribunal Federal, que deverá iniciar nesta quinta-feira (17) debate sobre a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância - Pedro Ladeira - 3.mai.18/Folhapress

Cabe ressaltar: enquanto houver recurso, não há trânsito em julgado! A um acusado não podem ser aplicadas medidas irreversíveis, como é o caso da prisão. Afinal, na hipótese de eventual condenação em 2ª instância ser reformada por tribunais superiores, como seria devolvido o tempo de liberdade?

Isso não significa vedar a prisão antes do trânsito em julgado. Pelo contrário, a Constituição ampara e a lei federal (artigo 283 do Código de Processo Penal) dispõe sobre essa possibilidade, por meio das prisões cautelares, processuais e não condenatórias, inerentes a situações excepcionais.

A presunção de inocência é garantia individual, fundamental para a ocorrência de um processo penal democrático e justo. Todos os cidadãos têm direito de ser tratados como se inocentes fossem, até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Diante dessa conjuntura, ministros do STF vêm concedendo decisões monocráticas, no sentido de reconhecer direito de réus aguardarem em liberdade o trânsito em julgado. Recursos interpostos foram afetados ao plenário, o que propiciará que seja pautado o julgamento das ADCs.

O STF, segundo o sempre lúcido argumento do ministro Celso de Mello, dá provimento a quase um terço dos recursos extraordinários, sem contar as concessões de habeas corpus, que aumentam sobremaneira a estatística.

Nesse cenário de insegurança jurídica, ainda há o fator da aleatoriedade. Estudo realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria, com apoio do Instituto dos Advogados de São Paulo, analisando 57.625 acórdãos prolatados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apontou que a taxa de rejeição de recursos varia de 16% a 81%, a depender da câmara de julgamento.

Paralelamente, no Legislativo, encontra-se na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, o projeto de lei nº 147/2018, que objetiva mudar o entendimento sobre o trânsito em julgado. Tal alteração configuraria verdadeira gambiarra jurídica.

Na mesma linha, tramita a PEC nº 410/2018, que pretende emendar o dispositivo constitucional, para dispor que “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.

Contudo, a Constituição, atenta à possibilidade de mudanças de forças políticas no poder e de eventuais decisões contrárias a seus preceitos, estabelece proteção máxima a algumas de suas disposições mandamentais, cláusulas pétreas que não podem ser modificadas, de modo a preservar a essência do Estado de Direito. É o caso da presunção de inocência.

Por fim, o projeto de lei anticrime, de iniciativa do ministro Sergio Moro (Justiça), ao propor alterações ao Código de Processo Penal e ao Código Penal, também incorre em inversão ao princípio constitucional, retrocedendo à presunção de culpabilidade. A principal proposta está na inserção à parte final do artigo 283, do Código de Processo Penal, da expressão “ou exarada por órgão colegiado”, visando regulamentar a execução de pena antes do trânsito em julgado.

Tal alteração demonstra a extensão da subjetividade antes exercida pelo então magistrado, o que deve ser evitado, ainda mais em razão das tão divulgadas condutas parciais e alheias ao direito. A lei não deve incitar o julgador e possibilitar manobra contrária à presunção de inocência, mas sim viger no sentido de impor seu respeito por todos os órgãos do Estado, em suas três esferas de poder.

O princípio da presunção de inocência, portanto, não deve ser esvaziado progressivamente, tratado apenas com viés processual, mas sim como norma cogente constitucional atrelada a juízo de certeza e limitadora de excessos no exercício do poder punitivo, de obrigatória aplicação, sustentáculo da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade, da ampla defesa e do devido processo legal.

Miguel Pereira Neto

Advogado, presidente da Comissão de Estudos sobre Corrupção, Crimes Econômicos, Financeiros e Tributários do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp); é sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.