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Miguel Lago

Bolsonaro quer destruir o conservadorismo

Objetivo ideológico é instalar o reino da força

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Miguel Lago

A cúpula da Igreja Católica passou este mês reunida no Vaticano para definir uma agenda para a Amazônia e para o clima. É de se esperar que, a partir de agora, as relações entre a maior nação católica e a igreja azedem de vez.

O convívio entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica nunca foi simples. Mas, desde a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), atingiu um novo patamar. Nunca antes na história do país um chefe de Estado foi tão explícito em agredir símbolos e instituições católicas. Quando era candidato, insultou a autoridade máxima da igreja em nosso território, a CNBB, chamando-a de “banda podre”. 

Magno Malta, Silas Malafaia, Jair e Flavio Bolsonaro em encontro no Rio
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) posa ao lado de Silas Malafaia, Magno Malta e do filho Flávio (da esq. para a dir.) em encontro no Rio de Janeiro - Divulgação

Desde que chegou ao Palácio do Planalto insiste em lançar semanalmente, em suas “lives”, acusações levianas contra membros do clero. A violência verbal se conjuga com seu silêncio a respeito de grandes conquistas da comunidade católica: Bolsonaro não foi à canonização da primeira santa brasileira em Roma e sequer compareceu à missa realizada em Salvador em sua homenagem.

Para piorar, o presidente se aproveita do aparelho estatal afim de intimidar uma instituição religiosa: usou o Itamaraty para exigir presença de representante brasileiro em reuniões internas do Vaticano, usou as Forças Armadas para emitir declarações oficiais de que a igreja ameaça a soberania nacional e fez uso da Abin para monitorar membros do clero. Como é possível que um governo dito conservador persiga a Igreja Católica, a maior referência ocidental de conservadorismo? 

Os fatores políticos internos já foram extensamente analisados e vão desde a captura do Estado pelas corporações neopentecostais (que buscam expandir seu mercado de fiéis) ao enfrentamento sobre a preservação da floresta e dos povos originários —a demarcação das terras indígenas se deve, em grande parte, à influência da igreja durante a Constituinte de 1988. 

Os fatores políticos de ordem internacional também são conhecidos. De um lado, a extrema-direita católica materializada na figura do cardeal Burke, e aliada a Steve Bannon, busca enfraquecer o papa e impedir que ele faça seu sucessor. Do outro, o discurso humanista baseado no conceito de ecologia integral desenvolvido por Francisco representa ameaça ao discurso anti-iluminista de ódio promovido pelos aliados internacionais do presidente. 

Além das razões políticas mencionadas, a cruzada empreendida por Bolsonaro contra a igreja está motivada por um objetivo ideológico maior: destruir o conservadorismo para poder instalar o reino da força. 

O conservadorismo visa conservar a tradição e a ordem. Os principais valores conservadores são a disciplina, a hierarquia, a defesa da família, o respeito ao próximo, a excelência, o rigor, a polidez, a ritualidade, a formalidade, o elitismo, o respeito aos anciões. Se há uma instituição regida por esses valores, para o bem e para o mal, é a Igreja Católica. Por sua vez, o bolsonarismo opera de maneira contrária: desrespeita a hierarquia, erode figuras de autoridade, promove o voluntarismo sobre a ética, fortalece a mediocridade e solapa a civilidade básica como modo de convivência. 

Tal movimento só pode ser considerado conservador, no sentido mais primitivo da palavra, na medida em que busca conservar o exercício de micropoderes estabelecidos dentro da sociedade. É o caso do abuso de poder do guarda da esquina ou do burocrata de cartório sobre o cidadão, do marido sobre a mulher, do garimpeiro sobre a floresta; em suma, situações sociais em que a lei do mais forte prevalece. 

Quando os valores conservadores que ordenam e normatizam a sociedade se esfacelam, o caos se instala, permitindo que micropoderes se expandam e se tornem grandes poderes. É através dessa operação que pessoas sem rigor, excelência, disciplina ou respeito —mas que são mais fortes do que outros em determinados contextos— prevalecem. 

Atacar a Igreja Católica, maior bastião dos valores conservadores no Brasil, é, portanto, condição necessária para a realização do grande projeto do governo: servir de catapulta social para aqueles cuja única conquista na vida foi o de ter nascido homem, branco e heterossexual.

Miguel Lago

É professor adjunto na School of International and Public Affairs da Universidade Columbia

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