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Francisco Gaetani, Joice Toyota e Marina Cançado

Test drive cívico

É preciso preparar profissionais para o serviço público

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Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado um forte engajamento político de amplos setores sociais. Entre o exercício do voto e a opção por uma carreira dedicada ao serviço público, existem distintos graus de envolvimento com questões públicas. Nesse contexto, destaca-se a ampliação das formas de engajamento: estados e municípios têm desenvolvido programas de experimentação que permitem a profissionais conhecer e contribuir para o funcionamento do governo por tempo determinado.

São iniciativas inovadoras, pois diversificam os métodos de atração, escolha e desenvolvimento de profissionais nos governos, inspiradas em países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Tais inovações enfrentam resistências, como o corporativismo e a falta de critérios gerenciais para a seleção de profissionais públicos. No entanto, têm avançado no Brasil programas de experiências de trabalho curtas, com seleção baseada em competências e desenvolvimento de lideranças, em colaboração com a sociedade civil organizada.

Marina Cançado, diretora-executiva da Agenda Brasil do Futuro - Jorge Araujo - 13.jul.18/Folhapress

Diversos países criaram mecanismos desse tipo. Essas iniciativas agregam valor em nível individual, alavancando a trajetória profissional dos participantes, e institucional, aumentando a capacidade operacional e de inovação das organizações públicas.

No Reino Unido, o programa Frontline coloca jovens para atuarem por um ano como assistentes sociais, formando uma geração de profissionais cientes dos desafios de abolir fenômenos multidimensionais como a pobreza. Na América Latina, o Jóvenes al Servicio de Chile, que atende municípios de regiões isoladas do país, e o Talento Joven, de Buenos Aires, são exemplos de iniciativas que alocam jovens para aprendizagem em serviço na administração pública.

No Brasil, o Projeto Rondon foi pioneiro em experiências de aprendizado no serviço público. Recentemente, a sociedade civil tem se mobilizado para acelerar o desenvolvimento de parcerias com governos. São iniciativas como o Programa Trainee de Gestão Pública do Vetor Brasil, organização que oferece soluções em gestão de pessoas para o setor público, ou os projetos de seleção para cargos de alta direção liderados pela Agenda Brasil do Futuro. Igualmente, entidades filantrópicas organizadas em torno da Aliança (parceria dos Institutos Humanize e República e das Fundações Lemann e Brava) e outras decidiram focar as atividades na gestão pública —algo impensável uma década atrás.

Essas experiências podem ser chamadas de test drive cívico: uma oportunidade para profissionais audaciosos descobrirem quais desafios públicos estão à altura de suas ambições e entender que desalinhamentos individuais com alguns governos não são suficientes para abalar a crença na importância das instituições públicas.

A experimentação profissional também permite mitigar os riscos de um compromisso de longo prazo, concedendo a um profissional a oportunidade de descobrir se tem vocação de serviço público antes de ocupar um cargo concursado. Neste contexto, mesmo quem não seguir dentro do governo estará mais apto a pensar em soluções inovadoras para problemas públicos, elevando a produtividade da economia como um todo. Não é razoável acreditar na transformação efetiva do país sem o protagonismo de profissionais que conheçam o funcionamento do Estado. Cruzar os braços e lamentar a ineficiência do governo é a forma mais efetiva de criar uma profecia autorrealizável.

De baixo para cima, empreendedores sociais estão provendo a administração com novas soluções para enfrentar desafios públicos e, de cima para baixo, dirigentes políticos estão adotando novas metodologias para compor equipes mais dinâmicas e inovadoras. É preciso escalar iniciativas assim —o que será impossível sem a contribuição da classe política e da sociedade civil organizada, mas também de órgãos de controle, academia, imprensa e entidades do funcionalismo público. 

Ampliar as possibilidades de experimentação profissional no governo é solução efetiva para formar uma sociedade mais informada sobre os desafios públicos e uma geração de lideranças capaz de resolvê-los.

Francisco Gaetani

Professor da FGV e presidente do conselho de administração do República.org, foi presidente da Enap (Escola Nacional de Administração Pública) e secretário-executivo dos Ministérios do Planejamento e do Meio Ambiente

Joice Toyota

Diretora-executiva e cofundadora do Vetor Brasil

Marina Cançado

Diretora-executiva da Agenda Brasil do Futuro

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