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Renan Santos

Centro ou acima?

Colocar-se ao meio é ignorar a maioria barulhenta

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Renan Santos

Esta Folha publicou um interessante artigo do governador Eduardo Leite (PSDB-RS), "O desafio da ponderação", acerca das virtudes do centro e de sua experiência no comando do Rio Grande do Sul. No artigo, Eduardo pondera as dores de reformar seu estado enquanto lida com os excessos de grupos extremistas de ambos os lados, esquerda e direita.

Soa-nos —por que não?— sensato. O governador afirma que “(…) a política, em uma democracia, é instrumento de moderação, exercendo a função mediadora para que seja alcançado o interesse público, sem desprezar o barulho de grupos menores, mas sabendo ouvir e interpretar o silêncio da maioria”.

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Renan Santos, um dos fundadores e coordenador do MBL (Movimento Brasil Livre), no escritório do grupo, na Vila Mariana, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 26.jul.19/Folhapress

Caberia ao príncipe pós-moderno, portanto, o papel de decifrar e traduzir aspirações silenciosas no seio da população. Ele, detentor deste conhecimento especial (exclusivo, diria), seria capaz de lidar com as contradições desta sociedade em disputa e propor o melhor para a massa que se debate na planície.

O problema na pretensão centrista de Eduardo é de ordem geométrica: na ânsia de colocar-se ao meio, ponderado, equidistante dos extremos, o governador e seus pares —nossa elite política, econômica e acadêmica— termina por pairar acima, como o topo de uma pirâmide.

É o drama relatado no clássico "A Rebelião das Elites", de Christopher Lasch. Em um determinado momento, nas grandes democracias, a cisão entre as elites e o povo torna-se tão patente que ambos passam a professar morais diferentes. A elite, pretendendo-se qualificada, possui soluções "top-down" para resolver os problemas causados pela base; à base cabe o papel passivo de ser interpretada —e corrigida— quando necessário.

Tal dissonância, no Brasil, é percebida nas políticas públicas patrocinadas pelos mesmos operadores que hoje sustentam o governo de Eduardo e congêneres. Ela se manifesta nas medidas de segurança bonitas no papel e ineficazes na prática; no zelo com os “excessos da Lava Jato” e no tom blasé com que falam da corrupção; na pretensão de impor seus valores cosmopolitas em detrimento do bom senso do homem comum.

Essa falta de sensibilidade se revela, inclusive, na gestão fiscal gaúcha. Ao tratar o empresário como mero número para a receita do estado, o governador demonstra desconhecer as condições concretas da atividade empresarial no Brasil. O empresário comum —não a abstração de Eduardo Leite— é um sujeito que vive às voltas com dívidas, estrangulamento de crédito, burocracia voraz. Atrasar o ICMS —motivo de prisão para o STF— as vezes é o único meio de honrar a folha de pagamento e manter a empresa aberta. Dramas que seu manual de gestão pública não costuma contemplar.

É por razões como essas que o suposto centro —nada além da reedição dos erros da velha política— foi fragorosamente derrotado nas últimas eleições. Os candidatos ditos extremos, Bolsonaro e Haddad, somaram 75% dos votos. A alternativa “centrista”, 4%. Não houve, e não há, portanto, representação da “maioria silenciosa”. A maioria é barulhenta e sua mensagem se faz ouvir nos "WhatsApps" de patriotas a "lulalivres".

Pressupor ser o polo da sensatez em meio à turba irracional é acreditar de forma arrogante que se tem as soluções para o mundo mesmo quando o mundo não quer ouvir suas soluções. A construção de um centro legítimo e popular passa por deixar emergir as soluções do mundo; isto é, as palavras que nos dizem a maioria que não é silenciosa.

Seus valores, suas ideias, seus “defeitos morais” são a bússola que nos permite achar um norte da representação política autêntica. É ali, e só ali, que devemos fincar a bandeira de um renovado centro político brasileiro. 

Renan Santos

Fundador e líder do Movimento Brasil Livre

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