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Gustavo Maultasch

A síndrome de Levitsky

Derrotada, esquerda vê risco adicional à democracia

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Pelo teor das referências que se fazem a ele, até ontem eu achava que Steven Levitsky era o nome de uma síndrome cognitiva descoberta por um doutor Levitsky, e não o nome de um cientista político. A sintomatologia da síndrome seria a seguinte: quando a esquerda vence, a democracia vai bem; já quando ela perde... Aí a democracia padece, vai mal, está morrendo.

Essa síndrome apresenta como comorbidade aquele comportamento já conhecido em nossa esquerda: concorda comigo? Você é bom camarada e está convidado para o próximo chope no Leblon; o bar dá desconto para quem sinalizar virtude! Discorda de mim? Você é fascista.

Gustavo Maultasch de Oliveira - Diplomata, doutorando em administração pública e especialista do Instituto Mises Brasil. Suas opiniões são exclusivamente pessoais.
O diplomata Gustavo Maultasch, especialista do Instituto Mises Brasil - Divulgação

(Mas veja bem, eu não digo que você é fascista porque estou defendendo o meu esquerdismo não; o que é isso. Eu digo que você é fascista porque sou um sereníssimo hermeneuta dos desígnios de nossa República e, de posse dessa capacidade sobre-humana, afirmo categoricamente que você é fascista; nada pessoal, é só um juízo técnico).

Como a esquerda brasileira passou anos elogiando Fidel, Che, Mao, Lenin, Chávez, Maduro, Morales, dentre outros companheiros; como passou décadas mitificando Paulo Freire, mesmo com sua tolerância a assassinatos em nome da “biofilia” da revolução; como chegou a comprar votos do Legislativo no escândalo do mensalão, em franco ataque à democracia; e como a principal chapa da esquerda, nas últimas eleições, tinha como candidato o autor de “Em defesa do socialismo” e como candidata a vice uma comunista que se recusa a condenar os incomensuráveis genocídios dos socialistas; enfim, por tudo isso, eu ingenuamente acreditava que a esquerda brasileira tinha amor sincero e desinibido por todas as ditaduras. Essa não é a galera descolada que fala em amor livre? Então, pensei que eles amassem todos os autoritários.

Mas quão apressada a minha conclusão, e quão enganado eu estava; e aproveito para fazer o mea cuba, ou melhor, o mea-culpa, e compartilhar com vocês o que aprendi: na realidade, vejam só, a esquerda não ama ditaduras; ela ama apenas, notem bem!, aquelas ditaduras que são de esquerda. E não é aquele amor platônico, melancólico e distante não; é aquele amor luxurioso, nos lençóis suados da paixão recente.

Quando descobri isso, meu mundo desabou feito o PIB da Dilma: seria mesmo um caso de —constrange-me até dizer— hipocrisia, incoerência, desfaçatez? Será que a esquerda tolera uma ditadura, tolera uma torturazinha, desde que ela seja de esquerda? Se a ditadura é de direita, condenamos; se é de esquerda, defendemos; isso finalmente eu entendi. Mas e a democracia?

E aqui vem a novidade trazida pela síndrome de Levitsky, que segundo minha pesquisa tem sido transmitida pelo mosquito da zika, ou talvez seja mesmo o velho e conhecido, embora jamais extinto, mosquito da trotsky. A novidade é que, agora, a esquerda não condena apenas a ditadura de direita não; ela condena também, vejam só!, a democracia em que o povo elege livremente a direita.

É bem verdade que democracias são como um preso em Curitiba: demandam atenção e vigilância diárias. Democracias funcionais têm equilíbrio institucional delicado mesmo, e a todo momento há riscos intrínsecos ao sistema político; contem comigo para a diligência constante e a briga por seu fortalecimento.

O problema é decretar risco adicional porque a esquerda perdeu, e com isso começar a denunciar a nova conjuntura política como “morte da democracia”, como se o atual mal-estar do progressista fosse causado por uma sensibilidade apurada de sommelier às vicissitudes da democracia, e não por um mero ressentimento de derrotado, em humilhação narcísica porque percebeu que o povo não o vê com a grandeza e o senso de autoimportância que ele enxerga ao espelho.

E tudo isso fingindo não saber que um dos maiores riscos à democracia brasileira é, precisamente, toda essa narrativa de “morte” da democracia; mais do que diagnóstico, a síndrome de Levitsky é efeito placebo, profecia autorrealizável, daqueles que preferem bagunçar o jogo a aceitar que, simples e livremente, foram vencidos.

Gustavo Maultasch

Diplomata, doutorando em administração pública e especialista do Instituto Mises Brasil

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