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Guilherme LIchand

Fogo amigo

Brasil constrói os pilares na economia, mas os destrói na educação

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O Brasil terá esgotado seu bônus demográfico por volta de 2030, quando pela primeira vez teremos mais brasileiros dependendo de redistribuição financiada pelos impostos —de aposentadoria, pensões e Bolsa Família até os serviços públicos também financiados por esses impostos— do que pessoas contribuindo para a arrecadação.

Essa mudança de cenário gerará duas grandes dificuldades para que o país permaneça capaz de financiar a Previdência Social e os serviços públicos sem onerar ainda mais as empresas e o trabalhador, ameaçando a capacidade do país de gerar emprego e crescimento. Teremos: 1 - uma necessidade de sermos menos generosos com a população inativa, gerando um menor passivo a ser financiado pelos impostos; e 2 - uma necessidade de que a população ativa seja mais produtiva, gerando uma maior base fiscal para compensar o fim do bônus demográfico sem comprometer as condições de crescimento do país.

Guilherme Lichand - Professor-assistente de economia da Universidade de Zurique (Suíça) e doutor em economia política e governo pela Universidade de Harvard (EUA)
O professor de economia Guilherme Lichand, da Universidade de Zurique (Suíça) - Divulgação

O Ministério da Economia encabeçou uma reforma da Previdência que, embora imperfeita, construiu bases importantes para a primeira necessidade. Graças a ela a população economicamente ativa decairá mais lentamente, e o passivo com a população inativa será menor.

Com relação à segunda necessidade, os esforços de desburocratização, simplificação e redução dos custos das empresas na tentativa de torná-las mais produtivas podem ser completamente anulados se não vierem acompanhados de uma política educacional que dê sustentabilidade ao aumento de produtividade.

Diante desse diagnóstico, é surpreendente que gente dentro do próprio governo trabalhando diariamente para minar as bases do crescimento de longo prazo. É o que tem feito o Ministério da Educação, minando toda e qualquer oportunidade de avançarmos nessa direção com a gestão desastrosa de Abraham Weintraub.    

Por um lado, o Brasil (assim como boa parte do mundo em desenvolvimento) foi muito eficaz nos últimos 30 anos em tornar o acesso à educação quase universal. Por outro lado, ofertar educação de qualidade segue sendo um enorme desafio.

Durante as eleições de 2018, um improvável consenso parecia ter surgido entre os candidatos em torno dos sete pontos reunidos no projeto “Educação Já”. Refundar os mecanismos de financiamento da educação básica (o Fundeb), reformular a formação de professores, expandir massivamente o ensino médio, ter políticas para o desenvolvimento infantil pré-escolar, promover a alfabetização de todos os alunos, impulsionar a nova base nacional curricular e criar o Sistema Nacional de Educação pareciam ter o apoio de todos os principais candidatos. Era uma boa notícia para o crescimento de longo prazo: seja quem fosse o vencedor, parecia ser verdade que construiríamos os pilares para uma população economicamente ativa mais produtiva em oito ou 12 anos.

Mas não foi assim na educação. Ricardo Vélez primeiro, e depois Abraham Weintraub, se preocuparam mais em fazer ataques nas redes sociais do que trabalhar para qualquer um desses consensos necessários. O atual ministro parece passar mais tempo “lacrando” nas redes sociais do que trabalhando para o país. E, quando assina medidas, ainda toma decisões desastrosas para o Brasil, como os erros calamitosos no Enem, colocando sob risco o futuro dos nossos jovens mais vulneráveis. E nem sequer apresentou-se para a necessária discussão sobre o financiamento da educação básica, pela necessidade de revisão do Fundeb em 2020.

Os Ministérios da Economia e da Educação lembram hoje a construção da Torre de Babel: a estrutura nunca vai subir até o céu enquanto aqueles responsáveis pela sua fundação não falarem a mesma língua.

Até quando Jair Bolsonaro seguirá permitindo fogo amigo —ameaçando o futuro da economia brasileira—, vindo de um dos mais importantes ministérios de seu governo? Até, quando, presidente, o Ministério da Educação seguirá desgovernado?

Guilherme Lichand

Professor de economia do bem-estar e desenvolvimento infantil na Universidade de Zurique

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