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Preta Rara

Quem cuida de quem sempre esteve no lugar de cuidar?

Liberem as domésticas e continuem pagando os seus salários

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Preta Rara

A vida das trabalhadoras domésticas importa para quem? Só para elas e suas famílias! Querem nossa mão de obra a todo custo, e com nossa vida não há empatia.

Na última semana, dispararam notícias sobre domésticas em situações desumanas. Com o avanço da Covid-19, diversas estão em quarentena com os patrões.

A escritora, rapper e historiadora Preta Rara - Marlene Bergamo - 23.set.19/Folhapress

Não por escolhas delas, e sim porque o empregador não fará os serviços da casa, colocando em risco a vida dessas profissionais.

Ainda vivemos sob o ranço colonial de achar que a trabalhadora doméstica é propriedade da família que a contratou. Assim, ainda veremos o desfecho ruim daqui a dias, semana e meses, com domésticas contaminadas.

O SUS é um dos melhores sistemas de saúde do mundo, porém não aguentará a quantidade de pessoas que precisarão dele. As domésticas não têm opção, como alguns profissionais, de trabalhar em home office. Isolamento social é privilégio.

Com a criação da página “Eu Empregada Doméstica”, em 2016, passei a receber relatos de violência. Na última semana, veio este: “Pelo amor de Deus, o que eu faço? Meus patrões estão com corona e não querem me dispensar porque não tem ninguém pra cuidar deles. Eles me ofereceram R$ 100 a mais pra eu ficar, e não posso perder o emprego”.

Relatos do tipo dilaceram a alma e são de uma brutalidade gigantesca. Mas ainda terá pessoas dizendo: por que ela não sai do trabalho?

E quando foi que as domésticas tiveram direito a escolha? A maioria teme pela perda do serviço, única renda para toda uma família.

Isso é crime e, se este país fosse justo, o Ministério Público já deveria ter sido acionado.
Na Bahia, houve o caso de uma trabalhadora que contraiu o coronavírus da patroa e agora a mãe da doméstica, o pai e o marido também estão contaminados.

No Rio, uma doméstica trabalhava com luva, avental e máscara na casa de um casal infectado pelo coronavírus. Outra, de 63 anos (grupo de risco), tinha emprego no Leblon, na casa de uma mulher contaminada em viagem à Itália. A empregada contraiu o vírus e morreu em Miguel Pereira, a 115 km da capital.

A maioria dessas trabalhadoras são arrimos de família. Como ficarão seus familiares sem elas?
As relações de trabalho doméstico no Brasil não são humanizadas. Somos invisíveis, e nossa profissão é encarada como algo menor até para o Estado, já que até 2015 não existiam leis trabalhistas para a nossa categoria. Vale ressaltar que o atual presidente foi um dos que votaram contra a PEC das Domésticas.

Em entrevista à Organização Themis, Luiza Batista, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), fala da importância de liberar as domésticas.

“A pandemia do coronavírus é uma questão de saúde pública. Se todos ficam doentes ao mesmo tempo, o sistema de saúde não terá recursos humanos nem tampouco materiais para suprir a demanda. Vale lembrar que o sistema de saúde colapsado não faz falta apenas aos pacientes com coronavírus. Então, é dever de todo cidadão contribuir, ou seja, liberar a trabalhadora sem prejuízo de salário e, se possível, antecipar férias, incluindo as diaristas.”

É de extrema importância que as pessoas entendam isso: liberem as domésticas e continuem pagando os seus salários.

No último dia 17, o MPT (Ministério Público do Trabalho) publicou uma nota técnica com medidas de contenção da pandemia do vírus para trabalhadoras e trabalhadores domésticos, cuidadores ou vinculados a empresas ou plataformas digitais de serviços de limpeza ou de cuidado. O MPT afirma que faltar ao serviço neste momento de quarentena não pode ser considerado motivo para demissão.

Este é o momento certo de praticar a empatia com alguém que todo dia dá a vida para deixar tudo limpo e organizado para você e sua família.

Repense a sua conduta. Você gostaria de ter a mesma relação de trabalho que tem com a sua trabalhadora doméstica?

Em época de pandemia, a empatia também será fundamental para desacelerar o avanço do coronavírus. Além de promover uma relação humanizada, para que realmente o quartinho da empregada deixe de ser uma senzala moderna.

Preta Rara

Rapper, historiadora e autora de ‘Eu, Empregada Doméstica - a Senzala Moderna é o Quartinho da Empregada’ (ed. Letramento)

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