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Mário Luiz Sarrubbo e Wallace Paiva Martins Junior

Pandemia não é pretexto para impunidade

Corrupção e improbidade se disseminam como um vírus, silencioso e invisível

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A Lei da Improbidade Administrativa (LIA) é um verdadeiro código da moralidade na administração pública. Sua função é punir condutas que caracterizam enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração pública. As sanções, que visam à higiene ética na gestão da coisa pública, são graves e compreendem perda de bens ou da função e suspensão de direitos políticos, além do ressarcimento do dano.

A recente medida provisória 966 causou espanto e perplexidade, pois, ainda que indiretamente, flexibilizou a LIA, que pune agentes que têm o dever de agir aprumados pela gestão eficiente e ética do patrimônio público confiado à sua guarda, assim como particulares que se aproveitam para obter lucro fácil.

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo - Karime Xavier - 20.mar.20/Folhapress

A MP restringe a responsabilização a dolo ou erro grosseiro se condutas questionáveis objetivem o enfrentamento da emergência de saúde derivada da pandemia ou o combate aos efeitos econômicos e sociais dela decorrentes. Em palavras mais simples: um salvo-conduto em tempos de pandemia, como se houvesse uma probidade diferente nas situações normais.

À tentativa de estabelecer um “bill of indemnity”, o STF considerou que erro grosseiro é o que enseja violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado, ou impactos adversos à economia, por inobservância de normas e critérios científicos e técnicos ou dos princípios de precaução e prevenção. E os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia —para afastar do alcance da norma os atos de improbidade administrativa e os objetos de fiscalização dos tribunais de contas— revelam preocupações mais profundas.

Se a corrupção e o superfaturamento ocorrem frequentemente, também nos momentos de crise surgem oportunidades para tenebrosas transações, para a prática de favorecimentos e perseguições; enfim, para “levar vantagem em tudo”.

Corrupção e improbidade se instalam e disseminam como um vírus, silencioso e invisível, em razão de uma sofisticada teia de relações perigosas entre pessoas dos setores público e privado, em qualquer tempo ou lugar.

Não se pense que a pandemia da Covid-19 liberou nossos governantes para agir contra a lei ou esses valores essenciais. A dispensa de licitações não é um cheque em branco. Contratações temporárias de pessoal não são cortinas de fumaça para obnubilar cabides de emprego. Num país como o nosso, com fortes influências patrimonialistas arraigadas, os recursos públicos devem ser bem administrados para satisfação das necessidades da população e equilíbrio das contas públicas.

O gastar a mais não se coaduna com essa lógica. Parâmetro nas contratações é o valor de mercado, o justo preço. E todos os atos públicos, como são produzidos para o público, devem ser públicos. Contra o mal do sigilo há o antídoto da transparência e a vigilância dos órgãos de controle.

O que não se compreende é estabelecer uma métrica, como faz a MP, com cláusulas tão flexíveis e volúveis que tendem a imunizar todos aqueles que causem o malbaratamento dos recursos do erário, oriundos principalmente da excessiva carga tributária. Em tempos como estes que vivemos, em que predomina a incerteza e se exige precaução, outras soluções são mais férteis, como, por exemplo, uma rede pública nacional, integrada e centralizada, com preços de bens e serviços.

O bom administrador é aquele que, ao sabor das intempéries, sabe exercer seu múnus com parcimônia, não se colocando na posição de refém, mas sim na de líder. Pandemia não pode ser pretexto para impunidade.

Mário Luiz Sarrubbo

Procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo

Wallace Paiva Martins Junior

Subprocurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo

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