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Rabino David Weitman

Alegria e aflição na pandemia

Controle da mente exige distanciamento; vale ignorar certos pensamentos

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Rabino David Weitman

As notícias que nos chegam sobre a pandemia em geral, e suas consequências nos doentes e óbitos, é assustadora. Lamentamos imensamente e nos entristecemos. Mais de três meses se passaram e o quadro permanece escuro, levando muita gente à depressão. À espera do sol atrás das nuvens, qual seria a recomendação judaica nesse período de angústia e adversidade? Há possibilidade de momentos felizes em meio a essa aflição?

Na mística judaica encontramos duas afirmações importantes: "Tão logo um pensamento iníquo surge, empurra-o com ambas as mãos e livra sua mente dele" e "Momento de alegria e coração partido podem conviver, pois o choro está alojado em um lado do coração, e a alegria, no outro" (Tanya, caps. 12 e 34).

O rabino David Weitman durante a cerimônia de inauguração do Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto
O rabino David Weitman durante a cerimônia de inauguração do Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto - Zanone Fraissat - 8.nov.17/Folhapress

Explicando um pouco mais, o ser humano se expressa de três modos: pensamento, fala e ação, que são chamados de "vestimentas da alma". Enquanto a fala e a ação podem ser interrompidas —eu posso parar de falar e agir—, o pensamento flui constantemente e não para (mesmo quando dormimos). Mas se eu não posso pará-lo, posso desviar a atenção da minha mente para outros tópicos. O controle da mente permite que nos distanciemos de certos assuntos e os ignoremos, permitindo assim o surgimento de outros pensamentos.

O Rei Salomão, conhecido por sua sabedoria, escreve: "Um aumento de atenção traz um aumento de mágoa" (Eclesiastes 1:18). Pois, quando nos concentramos em um assunto aflitivo, a dor aumenta. Porém, se desviamos a nossa atenção, somos capazes de diminuir a mágoa, pois as emoções dependem do conhecimento. Não se concentrar sobre um elemento perturbador e voltar a nossa atenção para assuntos felizes é a solução nestes momentos de angústia e desespero.

Isso explica por que sobreviventes do Holocausto, que viram o inferno na terra, ou pessoas que passaram por tragédias dolorosas, conseguiram se reerguer e reconstruir suas famílias --e, por outro lado, pessoas que perdem o seu RG ficam aflitas por semanas. O controle da mente exige um distanciamento, até mesmo ignorar certos pensamentos.

Ilustrando isso com uma típica anedota judaica: dizem que um sábio, andando pela rua, foi parado por uma menina, que lhe indagou: "Mestre, o senhor dorme com a barba em cima ou embaixo do cobertor?". O sábio nunca havia pensado no assunto, e disse: "Minha filha, não sei lhe dizer". Aos 80 anos de idade, ele sempre dormiu bem e nunca se preocupou com isso. No final da história, ele ficou sem dormir três meses, pois, toda vez que ele se deitava, ficava concentrado, observando se a barba estava em cima ou embaixo do cobertor.

Tristeza e felicidade não são dois polos opostos, incapazes de conviver, pois um não exclui o outro. São expressões diferentes que manifestam estágios distintos das nossas emoções. O judaísmo —e isso é confirmado pela psicologia moderna— nos ensina que essas emoções podem se manifestar simultaneamente, pois o choro é alojado em um lado do coração, e a alegria, no outro.

Não podemos modificar os eventos tristes que acontecem, mas podemos decidir em que queremos nos concentrar. Cada um de nós tem assuntos que causam alegria, seja no campo familiar, profissional, social etc. São neles que devemos focalizar a nossa atenção; e, assim, teremos alegria em (parte de) nosso coração.

Os números não mentem, mas podemos, de vez em quando, nos desligar, desviar a nossa atenção "com ambas as mãos" e voltá-la para assuntos e afazeres alegres, que nos trazem satisfação. Dessa forma, cumpriremos o antigo ditado iídiche "Tracht gut vet zain gut": "Pense bem e será bom". Que possamos ver em breve o sol dissipar as nuvens e brilhar com todo o seu esplendor, com proteção divina, saúde e felicidade para todos.

Rabino David Weitman

Rabino-chefe da Congregação Beit Yaacov, em São Paulo, é escritor e palestrante

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