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Dora Cavalcanti

A agenda anti-Moro

Ressentimentos políticos não fazem parte da minha rotina

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Dora Cavalcanti

Advogada criminalista, é fundadora do Innocence Project Brasil e conselheira nata do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa)

Ao ler esta Folha na última segunda-feira (29), me surpreendi com uma referência a uma fala minha (“A agenda anti-Moro”, Opinião). A colunista não menciona meu nome, mas se refere a “uma integrante do Prerrogativas” que cobra “um ‘olhar lúcido’ sobre a atuação de Sergio Moro”. Ora, quem cobrou esse olhar lúcido fui eu.

Prezada Catarina Rochamonte, “cálculos eleitorais e ressentimentos políticos” não fazem parte da minha rotina. Por outro lado, é bem verdadeiro que transbordo ressentimento, por assim dizer, jurídico, em relação aos prejuízos acumulados ao longo dos anos em que a Lava Jato violou sistematicamente —e com eficiência ímpar— o plexo de garantias constitucionais.

A advogada Dora Cavalcanti durante jantar em homenagem ao professor Juarez Tavares
A advogada Dora Cavalcanti durante jantar em homenagem ao professor Juarez Tavares - Mathilde Missioneiro - 28.ago.19/Folhapress

Apenas para ilustrar o quão antiga é minha repulsa pela atuação de Moro, o magistrado, devo anotar que já em 2006 ingressei com a primeira exceção de suspeição contra ele. À época, o juiz testava aquela que viria a ser a peça central de sua estratégia de dominação —a delação premiada. E ao fazê-lo, desafiava a autoridade do Supremo Tribunal Federal, inventando pretextos para prender novamente aqueles que conquistavam o direito de se defender em liberdade.

A arma secreta que funcionou para dinamitar o arcabouço jurídico, e ao mesmo tempo alimentar o verdadeiro frenesi verde e amarelo que tomou conta do país, foi justamente a ilegal troca da confissão pela liberdade, que funcionou como meio hábil a evitar que as violações processuais chegassem a ser examinadas pelas cortes superiores.

Explico. A celebração dos acordos de delação previa que os acusados renunciassem a seu direito de recorrer das decisões. Como um número expressivo de réus acabou trilhando esse caminho, questões processuais importantíssimas jamais ultrapassaram a trincheira da Vara Federal de Curitiba, ou do Tribunal de Porto Alegre.

E durante esse período de dormência, em que fui chamada de tudo quanto é nome por denunciar que os métodos de condenação da Lava Jato se baseavam em expedientes ilegais e na negação do direito de defesa, o Brasil viveu enfeitiçado pela cantilena do combate à corrupção que iria nos salvar de todos os males.

Em 2015 apresentei a segunda exceção de suspeição contra Sergio Moro. Não chegou a ser julgada, pois o acordo de colaboração se sobrepôs ao direito, mas estava tudo lá. A mim, as revelações do Intercept nada surpreenderam. Cada reportagem vinha a confirmar o que vivenciamos na prática.

Não comungo da visão de um mundo dividido entre o bem e o mal. Assim como ninguém é perfeito, não é menos verdade que ninguém personifica apenas vilania —nem mesmo Marcelo Odebrecht (ou Sergio Moro). Hoje, em meio aos embates entre bolsonaristas convictos e arrependidos, indaga-se qual a real motivação da crise instaurada entre a Procuradoria-Geral da República e a República de Curitiba. Tomar um lado seria pueril. O importante é que os desmandos venham à tona e finalmente produzam consequências.

O pêndulo tende a voltar à sua posição de equidistância. É preciso olhar para frente sem esquecer o passado. É preciso enxergar o agora candidato a qualquer coisa por aquilo que ele representa, sempre representou.

Como ministro de Bolsonaro, já não mais perseguia somente os poderosos, estava à vontade para validar a política de atirar na cabecinha, para destruir a campanha pelo desarmamento, para se opor ao combate à Covid-19 nas prisões. Reitero, Sergio Moro deve ser visto com lucidez por aquilo que fez, e não pelo que agora tuíta ou pelo que pede escusas.

Rever o passado recente, que se mistura ao que ainda estamos vivendo, é extremamente complicado. Dá medo, pois sobram vinganças para todos os lados. Mas o fortalecimento das instituições vem justamente pela depuração das falhas e nossos tribunais têm cultura jurídica de sobra para detectar e corrigir as ilegalidades praticadas.

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