Decorridos quase nove meses desde a deposição de Evo Morales, a Bolívia ainda não acertou o passo com a normalidade democrática.
O ex-presidente, que comandou o país de 2006 a 2019, foi apeado do poder logo após sua controvertida vitória nas eleições do ano passado, envolta em suspeitas de fraude.
A contestação do resultado por adversários e organismos internacionais instalou uma crise de legitimidade e deu início a protestos e enfrentamentos em várias cidades do país —processo que culminou com a pressão das Forças Armadas pela renúncia de Morales.
O gesto do líder andino, que afirma ter sido vítima de um golpe, foi seguido por toda a linha sucessória, abrindo um vácuo legal enfim preenchido pela problemática ascensão de Jeanine Añez à Presidência.
Então segunda vice-presidente do Senado, ela foi conduzida ao cargo numa sessão do Congresso sem quórum e mediante procedimento não previsto na Constituição.
A partir daquele momento, esperou-se que a barafunda institucional fosse logo solucionada por meio de um novo pleito. Tal expectativa, contudo, acaba de ser frustrada pela segunda vez.
Marcada inicialmente para maio, a eleição presidencial foi primeiro transferida para o início de setembro, em razão da pandemia de Covid-19, e agora, pelo mesmo motivo, para 18 de outubro, praticamente um ano após a votação original.
A protelação, no contexto da emergência sanitária, é compreensível, tendo também ocorrido em outros lugares —mas seria menos problemática se Añez adotasse comportamento mais adequado no comando temporário do país.
Ao assumir, ela tinha como única missão convocar o quanto antes novas eleições, cuidar de sua lisura e entregar o bastão presidencial ao legítimo vencedor.
Desde então, entretanto, vem agindo para consolidar seu poder, até com represálias a apoiadores de Morales. Tomou decisões que caberiam a um presidente efetivo, como a expulsão de diplomatas mexicanos e espanhóis.
Como se não bastasse, Añez anunciou que disputará o novo pleito, o que, mais do que contrariar uma promessa, tende a deslegitimá-la no papel de mediadora do processo eleitoral.
A despeito desses vícios, o que mais importa agora é garantir, sem mais dilações, a realização de eleições livres e limpas. Não há outra solução democrática para os impasses que se acumulam na Bolívia.
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