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Antonio Elian Lawand Junior

O cupuaçu da discórdia

Ouçamos Joe Biden: a Amazônia é nossa, mas para quê?

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Antonio Elian Lawand Junior

Advogado e professor universitário, é doutorando em direito pela Universidade Católica de Santos

Este 2020 não deixará de surpreender até o último dia. O mais novo tema polêmico veio do inusitado e tumultuado debate entre os presidenciáveis norte-americanos, dia 29 de setembro. Por duas vezes, o Brasil foi citado por Joe Biden, em razão da maltratada agenda ambiental da Amazônia. Embora apoiadores mais fervorosos de Jair Bolsonaro tenham vociferado reativa e contrariamente às declarações do candidato democrata, o presidente brasileiro deu tons bem mais suaves à manifestação oficial.

E não poderia ser o contrário! A questão amazônica tem nuances que dariam conteúdos para livros e cursos inteiros: desde casos diplomáticos inéditos e únicos na agenda global (protagonizados por Alexandre de Gusmão e Barão do Rio Branco), até uma tentativa de internacionalização (dormente na gaveta das potências do Norte, desde 1992). Selecionamos um par de razões para refletir neste momento.

É necessário lembrar que a oferta de US$ 20 bilhões de Biden não é, pela perspectiva do atual governo, um vilipêndio à soberania brasileira. Foi o próprio governo federal que, em agosto de 2019, bradou, para o mundo inteiro ouvir que, se os países desenvolvidos quisessem manter a floresta em pé, que pagassem por isso ou usassem o dinheiro para “se reflorestar”. Ato contínuo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e, depois, o vice-presidente, Hamilton Mourão, assumiram as condições de negociação e balizas do Fundo Amazônico para a recepção de verbas internacionais. Logo, cioso do dever de boa-fé internacional, não poderia o comandante em chefe comportar-se em contradição a atos que ele mesmo validou.

Depois, é necessário lembrar que, em 1941, os Estados Unidos venceram uma arbitragem contra o Canadá sobre danos ambientais ocorridos em seu território em virtude de uma fundição ("trail smelter") regularmente instalada no lado do país vizinho. E o que isso importa? É do Brasil, dentre outros centros de estudos, a pesquisa acerca dos fluxos hídricos atmosféricos intercontinentais regulados pela floresta amazônica. Este trabalho, que pode ser encontrado em https://doi.org/10.1016/j.jhydrol.2009.02.043, aponta que a umidade do ar do Sul e do Sudeste brasileiros e do extremo oeste norte-americano (ou seja, a Califórnia) depende da floresta em pé e de sua capacidade de gerenciar as águas no solo e na atmosfera.

Quanto menos floresta, mais problemas por falta de água e incêndios as duas localidades tendem a ter. Por consequência, São Paulo e a Califórnia gastarão mais dinheiro para solver tais emergências ambientais. E é aqui que o "trail smelter" entra! Se o Canadá foi condenado por dano ambiental acerca de uma atividade legalizada, que dirá o Brasil, que pode ficar exposto por atividades amazônicas de queimadas que, minimamente, são objeto de crimes culposos. O fato de não ser proibido ter um cachorro não torna legal que o animal lata a noite inteira ou rasgue a roupa do varal das casas vizinhas.

Portanto, ouçamos Joe Biden sobre nossa Amazônia. Deixemos claro o pronome possessivo e coloquemos nossos pleitos e dilemas na mesa de negociação também, seja com ele ou seu ex-adverso Donald Trump. É importante debater e nos empoderarmos do relevante papel geopolítico do Brasil nas Américas e na agenda ambiental global. Antes desse encontro de cúpula acontecer, é melhor sabermos responder, no âmbito doméstico, a uma singela pergunta: a Amazônia é nossa, mas para quê?

TENDÊNCIAS / DEBATES
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