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Paulo Rogério Nunes

Afrofuturismo: o futuro será negro?

Movimento estético e cultural cresce no Brasil e tem a Bahia como epicentro

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Paulo Rogério Nunes

Autor do livro ‘Oportunidades Invisíveis’ (ed. Matrix), é cofundador da Vale do Dendê

O afrofuturismo é um movimento estético, cultural e tecnológico que vem crescendo a cada ano no Brasil. Antes desconhecido, hoje a linguagem afrofuturista tem ocupado livrarias, plataformas musicais, coletivos de tecnologia e diversos outros espaços. A proposta é bem objetiva: questionar, propor e imaginar a participação negra na construção do futuro.

O entendimento das pessoas que reivindicam a narrativa afrofuturista é de que por muito tempo essa imaginação sobre o futuro foi limitada apenas à cosmovisão eurocêntrica, seja em artes visuais, cinema, tecnologia e ciências. Ícones internacionais como o músico Sun Ra, a escritora Octavia Butler e o artista visual Basquiat representam esse movimento. Mesmo artistas pop contemporâneos buscam essa referência de maneira direta ou indireta.

Aqui no Brasil dezenas de pesquisadores, escritores e artistas se inspiram nessa estética. De livros a games, passando pela moda, o afrofuturismo chegou com uma grande força narrativa, e a Bahia pretende ser o epicentro desse movimento.

Em 2017, a Vale do Dendê, em parceria com o Instituto Mídia Étnica, realizaram uma atividade que aconteceu como preparativo para a primeira Campus Party Bahia, chamada “Ocupação Afro.Futurista”, com o objetivo de propor uma reflexão sobre o tema. Para isso, ocupamos a maior estação de ônibus e metrô do Norte e Nordeste, a Lapa, com ativações de cultura “maker” e “geek”, palestras e workshops.

Em 2018, repetimos a ação na mesma estação, daquela vez incluindo o primeiro “hackathon” (maratona digital) focado em inovadores negros(as) e fomos para o interior da Bahia. Toda essa experiência impulsionou um rico ecossistema de startups e coletivos de tecnologia formados por pessoas negras não apenas na Bahia, mas no Brasil.

Após um hiato de dois anos, agora com a parceria da Qintess (uma das dez maiores empresas de TI do Brasil), a Vale do Dendê voltou a pautar esse tema em um novo formato, respeitando os tempos de pandemia, com um evento 100% online chamado “Festival Afrofuturismo” —e desta vez conectando parceiros de países como Angola, Moçambique e Cabo Verde, fazendo ainda mais jus ao nome.

Aprofundamos no evento discussões que recentemente foram colocadas em pauta no Brasil, como racismo algoritmo, o ecossistema de startups negras e a possibilidade de uma maior conexão com países africanos que estão investindo em tecnologia, a exemplo de Cabo Verde, que possui um programa específico de atração dos chamados “nômades digitais” —profissionais de tecnologia que vivem viajando e trabalhando pelo mundo. Além de também destacar a nova cena tecnológica que surge em países como Nigéria, Gana, Ruanda, África do Sul e Etiópia.

Sobre a liderança africana na tecnologia, é preciso lembrar que o ideário afrofuturista não constrói apenas cenários ficcionais (como foi o caso de Wakanda, em “Pantera Negra”, da Disney/Marvel), mas se baseia em fatos históricos ocultados pela colonização e escravidão. São os casos, por exemplo, do protagonismo e da liderança absoluta dos países africanos pré-coloniais na ciência, matemática, astronomia e em outras áreas onde as civilizações negras foram pioneiras.

O evento deu destaque também à cena musical que bebe na fonte do tema, como a apelidada de “Bahia Bass”, com referências visuais negras e futuristas —a exemplo do clipe “Bafana”, do rapper baiano Yan Cloud. Além disso, startups tiveram a oportunidade de fazer um “demo day” para especialistas em inovação.

Em um mundo cercado de problemas sociais, aprofundados pela pandemia de Covid-19 e cada vez mais distópico, resgatar a utopia de uma África novamente líder em tecnologia, ciência e inovação é possível e necessário. E você, acha que um futuro negro é possível?

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