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Flávio Goldberg

A sedução totalitária e o espírito da lei

Vivemos um fantasmático processo ameaçador de soluções golpistas

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Flavio Goldberg

Advogado e mestre em direito

Aflito pela maior crise de sua história, com mais de 300 mil mortos pela Covid19, sistema hospitalar em colapso, economia paralisada, população angustiada pelo desemprego e vacinação lenta, o Brasil assiste uma disputa tragicômica por coroas dos nossos vários reinos paralelos: a presidência do Senado e da Câmara e os grupos que cercam a Presidência da República.

Realmente, como se fosse um império com muitos soberanos, os mundos em colisão no país exibem, diariamente, o conflito acirrado de interesses que se digladiam por fatias do banquete no baile da Ilha Fiscal.

Compensa rememorar que, no dia 9 de novembro de 1889, um sábado, ocorreu o chamado “último baile do Império”, em homenagem aos oficiais do navio chileno Almirante Cochrane. O evento, dias antes da Proclamação da República, marcou simbolicamente o fim da monarquia.

Pois bem que vivemos uma história que não se repete, a não ser como farsa, nas palavras do filósofo.

O presidente da República —cada vez com menos poderes legitimados pela opinião pública, inclusive por sua dilacerada base partidária, esgotada pela ausência de medidas urgentes exigidas pela medicina, pela ciência e pelo direito —afirma um namoro com a onipotência que só existe em sua fantasia, calibrada por um segmento radical da sociedade.

A narrativa histórica nos oferece vários exemplos de como o caos da falência da nação acaba em soluções totalitárias.

Se a biografia de Jair Bolsonaro se construiu com o atavismo caudilhesco do “mito”, o tiro pode sair pela culatra —que nos perdoem o mau gosto da expressão, mas tão adequada pela estratégia da apologia da violência.

No Supremo Tribunal Federal, um ministro com uma canetada espeta a Lava Jato, em decisão monocrática.

Prefeitos, governadores, juízes —todos, com ou sem respaldo jurídico— se intrometem em terrenos alheios, provocando o enfraquecimento das interações em que a lei perde o espirito para servir de retórica em favores suspeitos.

Quando o presidente Michel Temer (MDB) fez a travessia dolorosa após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), agiu como um habilidoso moderador diante as tensões da nação dividida.

E ainda agora, neste fantasmático processo ameaçador de soluções golpistas, o general Hamilton Mourão é outro agente moderador na fritura passional que mobiliza os simples atrás de manobras de “mata-leão” naquilo que deveria ser um sofisticado jogo de xadrez —e não briga de moleque de rua.

Ilustrando para advertir os que imaginam (“wishful thinking”) que podem se reeleger com pirotecnias atravessadas: em 11 de maio de 1938, um levante de ultradireita, integralista, tentou depor o direitista Getúlio Vargas, fracassou e foi jogado na ilegalidade.

Um povo não suporta 3.000 mortes diárias na guerra desigual e com um esquizofrênico “fogo amigo”.

Ou se ressuscita o espirito da lei ou o passado se repete.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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