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Paulo Sérgio Gonçalves

Conquista negra

Ainda somos cativos: verdadeira e total abolição não aconteceu no Brasil

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Paulo Sergio Gonçalves

Professor, é coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Estácio e doutorando em literaturas africanas

Que o Brasil foi o último dos países das Américas a abolir a escravatura não é novidade para nós. Dizer que a Lei Áurea trouxe, além da “liberdade” aos negros brasileiros, uma espécie de segregação social e que a sociedade não estava preparada —e nem queria estar— para o novo grupo social colocado nas ruas, também não é novidade.

O que nos resta refletir nesta quinta-feira, dia 13 de maio, é que a data deve ser vista não como um ato de bondade da Coroa portuguesa e do Parlamento brasileiro, mas sim como um dos grandes resultados da resistência negra que perdurava há muito tempo no Brasil.

Tal resistência se dava com a formação dos quilombos, com a compra de cartas de alforria e com as fugas em massa das fazendas. A abolição da escravatura no Brasil foi escrita por mãos negras. “Não há nada para se comemorar em 13 de maio” —este era o posicionamento do grupo de negros gaúchos que, liderados pelo poeta Oliveira Silveira, viram na data um verdadeiro paradoxo para se levantar a bandeira da consciência negra, quando, então, instituíram a data do aniversário da morte de Zumbi como o verdadeiro dia de conscientização e de resistência negra (20 de novembro).

Assim, o 13 de maio é mais um dia de luta contra o racismo, porque, a partir de 14 de maio de 1888 até os dias de hoje, o negro brasileiro é considerado grupo minoritário, embora represente cerca de 54% da população deste país. Até hoje o negro sofre, social e culturalmente, as sequelas dos anos de subserviência a que foi submetido no regime escravocrata e após a abolição.

A verdadeira e total abolição ainda não aconteceu, porque continuamos cativos do preconceito, da desigualdade e da falta de representatividade. Chega de estereótipos, de paradigmas e de esconder o que já foi escondido há muito tempo: o 13 de maio é uma data de oficialização do que já estava sendo conquistado pelos negros, verdadeiros protagonistas de sua própria conquista.

Em suma, comemorar o 13 de maio sob o título de “Dia da Abolição dos Escravos Negros no Brasil” deve, obrigatoriamente, vir com uma descrição que informe e conte a verdadeira história de um processo de resistência que se inicia muitos anos antes. Resistência como a ocorrida na serra da Barriga, onde existiu o maior quilombo brasileiro, o quilombo de Palmares.

Chega da síndrome do Tarzan, que é branco, vive na selva africana, mais corajoso que os próprios nativos e consegue salvá-los dos perigos de sua própria terra.

Para um sentido mais amplo de consciência negra, é necessário que se ensine tudo isso nas escolas. Nossos jovens, negros e brancos, devem enxergar o negro brasileiro como ator de suas lutas e não como um indivíduo indefeso e inerte que precisou sempre da intervenção branca para trilhar seu futuro.

Por isso, repetimos: não há nada para se comemorar no dia 13 de maio da maneira como a data é vista e ensinada no Brasil. Salve Zumbi dos Palmares. Salve os movimentos negros do Brasil. Salve as conquistas da resistência negra.

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