VÁRIAS AUTORAS (nomes ao final do texto)
Este domingo (9), seguramente, será o mais triste Dia das Mães da história do nosso país. Com quase 420 mil óbitos confirmados em decorrência da Covid-19, teremos milhões de mães e filhos que chorarão seus mortos na data criada para celebrar a vida. Este deveria ser o dia dos reencontros, dos abraços apertados, da comunhão de famílias em torno da mesa farta, de colocar a conversa em dia, mas, em vez disso, a pandemia nos exigirá abnegação, recato, recolhimento.
Entre tantas mães e filhos pranteados neste dia tornado terrível pela pandemia em descontrole proposital, deveremos somar as vítimas da inacreditável chacina ocorrida em 6 de maio na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Essas mães e avós, em particular, fazem ecoar em nossas consciências e corações a dor das mães e filhos, negras e negros que desde sempre choram seus filhos e irmãos mortos em confrontos fabricados neste país ainda às voltas com sua herança escravocrata, profundamente injusto e racista.
Choraremos também pelas mães condenadas à miséria que sofrem por não poder alimentar seus filhos. São milhões de famílias que retornam à miséria absoluta e outras milhões que vivem a insegurança alimentar trazida pela pobreza e pela inatividade econômica que têm origem tanto nos efeitos da crise sanitária como na indiferença e inação do poder público. Devemos estar atentas também ao aumento da violência contra as mulheres, que cresceu 97% durante a pandemia.
Quantas mortes poderiam ter sido evitadas se não tivéssemos um governo federal que pratica sem pudores as mais perversas formas de necropolítica, promovendo o genocídio sem precedentes de brasileiros? E não podemos também perder a perspectiva particular da polícia e do governo do Rio de Janeiro, que nesta semana exemplifica de maneira inequívoca um genocídio que ocorre cotidianamente no Brasil desde muito antes da pandemia, que é o da juventude negra.
Este Dia das Mães também cai justamente na semana em que o luto foi ampliado com a perda do jovem, brilhante e amoroso Paulo Gustavo. Uma tristeza, se pensarmos que ele nos presenteou com uma das mais emblemáticas mães da dramaturgia brasileira, a extraordinária Dona Hermínia de “Minha Mãe é uma Peça”. Paulo Gustavo mostrou o caminho do amor irrestrito, antídoto de todo preconceito.
Diante de tanta dor, não há nada o que celebrar.
É neste contexto que nós, mulheres, mães, filhas, pedimos espaço para questionar as 40 mulheres empresárias que almoçaram com o presidente Jair Bolsonaro semana passada.
A foto exposta na internet é uma mensagem enviada ao futuro. Ali estarão fixados para sempre os seus rostos, todas brancas, sem máscaras e sem empatia, que, em nome da manutenção de seus privilégios de empresárias, fizeram questão de posar e mostrar seu apoio ao pior gestor do mundo no combate à pandemia. A história não será complacente com vosso gesto.
Queremos reafirmar aqui, no mais profundo luto, nossa solidariedade pelo próximo e nosso respeito pelos que se foram, lutando contra toda forma de genocídio. Que este Dia das Mães, tão rodeado de tristezas, seja uma oportunidade para a nossa indignação contra quem promove, perpetra e apoia tanta mortandade.
Sentimo-nos indignadas com o fato de que outras mulheres, muitas delas mães, aceitaram sentar-se à mesa com um homem que desde o início desta pandemia, e na contramão dos cientistas e autoridades sanitárias de todo o planeta, fez o que pôde para atrapalhar o combate ao vírus, condenando com suas ações, omissões e palavras, insistente e propositalmente, centenas de milhares de brasileiros à morte.
Saibam, cada uma de vocês, que não representam a grande maioria de nós, mulheres brasileiras. Vocês representam nada além do que ganância, ignorância e patética desconexão da realidade. Por ironia de suas próprias vaidades, seus rostos e sorrisos estarão congelados ao lado desse senhor nefasto, pela eternidade.
Daniela Thomas
Cineasta
Mari Stockler
Gestora cultural
Marina Dias
Advogada
Keila Grinberg
Professora e historiadora
Mariana Lima
Atriz e produtora
Sheila de Carvalho
Advogada e professora
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