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Clara Araújo

Não é pelos 15%, mas por justiça de gênero

Machismo e interesses partidários se mesclam recorrentemente no Brasil

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Clara Araújo

Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e coordenadora acadêmica do Núcleo de Estudos de Desigualdades e Relações de Gênero da UERJ

No dia 16 de maio o Chile elegeu 155 representantes para a Assembleia Constituinte. Um dos requisitos foi a paridade de gênero. Foram eleitos 74 homens e 88 mulheres. Fato inusitado, elas cederam 11 vagas para eles a fim de garantir a representação paritária.

A América Latina é celeiro de experiências exitosas para ampliar a presença de mulheres em seus Parlamentos. Diversos países estipulam o mínimo de 40% de candidaturas para um dos gêneros; e 12 têm leis de paridade. A média de mulheres nas câmaras baixas passou de 9% para 30% entre 1990 e 2019.

Já o Brasil segue distante dos vizinhos. No ranking da União Interparlamentar, o país ocupa o 142º lugar entre 199 nações. Na América Latina está na 18ª posição. Entre 2014 e 2018, a presença de mulheres na Câmara dos Deputados passou de 9,9% para 15%, e, nas Assembleias Legislativas, de 11,3% para 15,5%. As Câmaras Municipais elegeram 13,5% de vereadoras em 2016 e 16% em 2020. Ou seja, saímos de percentuais baixíssimos para baixos.

Quais os caminhos para elevar o número de mulheres no Parlamento? O momento pede debates. Comissão especial criada na Câmara dos Deputados para tratar da PEC 125-A/2011 discute possíveis alterações na legislação eleitoral já para o pleito de 2022. As cotas de gênero estão no “cesto das mudanças”.

Algumas propostas foram apresentadas, mas comentarei apenas uma delas: a que parte da PEC 98/2015 e propõe reserva inicial de 15% de assentos nos Legislativos. A PEC, aprovada no Senado em 2015, apresenta emenda ao artigo 60 da Constituição para “reservar vagas para cada gênero na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais nas três legislaturas subsequentes (à sua aprovação)”. O projeto original estipula: 10% das cadeiras na primeira legislatura; 12% na segunda; e 16% na terceira. A proposta agora em debate na Câmara define o mínimo de 15% de assentos no primeiro pleito.

Por que um mínimo de 15% de assentos pode ser retrocesso e não vitória? Listo, a seguir, cinco motivos para o temor. Primeiro, como meta, o patamar está ultrapassado. O mínimo previsto na PEC para a terceira eleição —16%— já foi atingido no pleito de 2020. As Assembleias Legislativas e a Câmara dos Deputados elegeram cerca de 15% de mulheres em 2018.

Segundo, o percentual, como emenda constitucional, pode surtir efeito contrário ao pretendido: em vez de servir como impulso, atuar como “freio” na inclusão de mulheres. Um argumento a favor dos 15% é a ausência de vereadoras em 944 municípios. Mas os outros 4.624 municípios contam com mulheres. E muitos com mais de 15%.

Terceiro, experiências exitosas mostram que “patamares mínimos elevados” foram decisivos para o sucesso das cotas. Ademais, legislar para Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais com base no mandato com menor poder de interferência desvirtua o sentido das ações afirmativas.

Quarto, informações do Institute for Democracy and Electoral Assistance indicam que só 26 países possuem reservas de cadeiras para mulheres nos Parlamentos nacionais. Quase todos profundamente patriarcais e com níveis muito baixos de desenvolvimento. Em apenas seis deles a reserva é igual ou menor que 15%. Nas Américas, Guiana e Haiti contam com esse tipo de lei.

Quinto e último motivo: práticas de sucesso na América Latina, usadas por parlamentares como exemplos —casos da Bolívia e do México—, não são reservas de assentos parlamentares, mas, sim, leis de paridade com alternância entre eleitos e eleitas nas listas dos partidos políticos.

Vale lembrar que o parâmetro mínimo de 30% foi baseado em estudos que mostravam ser este o patamar a partir do qual mulheres teriam condições efetivas de exercer as funções parlamentares. Do contrário, seguiriam poucas abnegadas, sem condições mínimas de interferir na política legislativa. Machismo e interesses partidários se mesclam recorrentemente. O episódio ocorrido no início da CPI da Covid ainda está fresco na memória.

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