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Roberto Muylaert

TV estatal não funciona

Estamos vivendo a clássica revolta de um governador paulista

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Roberto Muylaert

Escritor e jornalista

Todo governador de São Paulo que encara a existência de uma TV pública funcionando bem, a cumprir a sua finalidade de alternativa à programação (em geral, banal) das outras emissoras, tem dois momentos.

O segundo costuma ser positivo, quando ele consegue entender como as coisas podem funcionar bem entre governo do estado e Fundação Padre Anchieta (FPA), que administra a TV Cultura. Mas o primeiro momento, que estamos vivendo agora, é a clássica revolta do governador, sem compreender como é possível liberar verbas públicas para serem utilizadas por uma emissora independente e de direito privado, dirigida por uma diretoria executiva e um conselho curador, ainda que auditados pelo Tribunal de Contas.

Bastidores do programa História em Debate, da TV Cultura, em foto de 1973
Bastidores do programa 'História em Debate', da TV Cultura, em fotografia de 1973 - Armando Borges/Acervo TV Cultura - Armando Borges/Acervo TV Cultura

Onde o bicho pega mesmo é no jornalismo. O desejo do governo é que as notícias chapas-brancas sejam veiculadas todas juntas, correndo o risco de perder espectadores. E os editores cuidam é disso mesmo: pautar a hierarquia das notícias, para uma cobertura balanceada. Nem estou me referindo à quinta-coluna, onde podem existir jornalistas tramando para que notícias sutis, contrárias ao governo do estado, sejam contrabandeadas na edição, como jabutis no Congresso.

Os exemplos de tentativas de interferências ainda estão na memória, quando o governador José Maria Marin (1982-83), sucessor e discípulo do célebre Paulo Maluf (1979-82), resolveu estatizar a FPA na marra, por meio de um decreto que tornava a fundação subordinada ao estado. Graças a um trabalho primoroso da equipe do então consultor jurídico da emissora, Fernando Fortes, o governo paulista foi derrotado em última instância, sendo 18 os membros que votaram pela permanência dos estatutos originais da FPA ("18 do Fortes", como foram chamados jocosamente), o que constituiu jurisprudência no assunto.

O governador Orestes Quércia (1987-91), mal informado, voltou ao assunto, no meu mandato, mandando sua secretária da Cultura, Bete Mendes, informar-me que ele já havia escolhido o meu sucessor na presidência (Chico Santa Rita), tendo ficado muito bravo quando soube que o cargo de presidente da diretoria executiva nada tinha a ver com o governo do estado, mas com o Conselho Curador da Fundação.

Voltar a esse assunto com intenções estatizantes e contra a jurisprudência sobre o assunto seria um lamentável retrocesso, até porque quase tudo que é estatal é mal administrado, com honrosas exceções, como a Embraer, uma empresa modelo de que todo o hemisfério Sul se orgulha —e que teve o Estado como fundador, mas foi privatizada na hora certa, permitindo o desenvolvimento de uma indústria de ponta com destaque em todo o mundo

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Não é o caso de uma televisão, a antítese da empresa estatal, onde um gerenciamento esclarecido, criativo e permanente é essencial, já que tudo precisa funcionar direito, senão o defeito aparece na tela, seja da administração, do transporte ou da iluminação. Vamos deixar as estatais com as funções que lhe cabem, como saúde, educação, serviços públicos. TV estatal não funciona.

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