A armadilha da alienação

É preciso abandonar a ideia de que o inferno são os outros e engajar quem pensa diferente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Giuliana Vallone
Giuliana Vallone

Jornalista e consultora em comunicação, foi secretária-assistente de Redação da Folha. É mestranda em ciência política e relações internacionais pela Universidade Católica Portuguesa

Em seu novo livro, “Democracy Rules”, o historiador alemão Jan-Werner Müller alerta para a volta de certos “clichês liberais do século 19” diante do recente avanço do populismo.

A saber, a ideia de que as “massas irracionais” nunca estiveram aptas a escolher corretamente seus líderes e precisam ser contidas.

A noção de que o inferno são os outros (o povo) permeia a construção do pensamento político liberal muito antes disso. Platão, em sua “República”, já temia a “tirania da maioria” —e, por isso, acreditava que a soberania do povo deveria ser evitada a qualquer custo. Esse temor permaneceu central para o desenvolvimento do modelo democrático vigente a partir do século 18. Implementou-se, assim, um sistema representativo, que reduz a participação direta do povo no processo decisório e dá a ele o direito ao voto.

Em momentos de tensão política, econômica ou social, porém, começa um balé ensaiado e repetido múltiplas vezes. Uma parcela da população passa a se ressentir do acordo tácito, abrindo espaço para a ascensão de um líder que promete mais poder e participação a quem sente que foi deixado para trás.

Esse alguém, nas palavras de Müller, se apresenta como único representante do “verdadeiro povo” e classifica como ilegítimo quem discorda de suas ações ou ideias. Soa familiar?

Ao analisar o populismo por esse ângulo, fica claro que ele é nada mais que a sombra da democracia liberal. E, para contê-lo, parte das respostas tende a seguir a mesma linha: limitar ainda mais a participação popular, sob o argumento de evitar escolhas equivocadas no futuro.

No enfrentamento aos populistas, porém, o risco maior parece ser alienar seus apoiadores do debate de maneira definitiva. O clima de polarização favorece, acima de tudo, aqueles que se pretende combater.

Abandonar a ideia de que o inferno são os outros e engajar quem pensa diferente será, portanto, essencial para que, ao final de 2022, o horizonte brasileiro seja mais animador —e democrático.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.