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Euforia de 'fim de guerra' com a Covid é incompreensível

Triunfalismo dos gestores públicos deve ceder vez a aberturas ponderadas

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A peste negra assolou a Europa no século 14, provocando até 200 milhões de mortes. A história eurocêntrica, contudo, omite o fato de que a doença já devastava Índia, Mesopotâmia, Síria e Armênia na década anterior, fazendo o seu caminho pela “rota da seda”, que ligava a China ao Mediterrâneo.

Da história das pandemias se consolidou o axioma de que bactérias e vírus não conhecem fronteiras e podem fazer seus os trajetos humanos. E quem não conhece a história, diz um aforismo, está condenado a repeti-la.

O novo coronavírus continua seguindo um padrão intenso de disseminação, causando sucessivas ondas pandêmicas. Súbitos aumentos de casos e mortes por Covid-19 no hemisfério norte prenunciam, em alguns meses, episódios dramáticos no Brasil. Foi assim em fevereiro de 2020, quando chegavam relatos assustadores da Itália e Alemanha, que logo seriam também daqui.

O mesmo ocorreu em dezembro último, quando a segunda onda europeia nos alertava ao iminente colapso do sistema de saúde. Situação que atingimos, dois meses depois, quando vivenciamos a ignomínia de pacientes morrendo sem leitos e, às vezes, sem oxigênio.

A despeito de percalços evitáveis, a maior parte da população brasileira já recebeu a primeira dose das vacinas disponíveis. Porém, o novo coronavírus vêm acumulando mutações que resultam em escape vacinal parcial. Como explicar que Israel, com sua população vacinada, esteja novamente impondo duras medidas de restrição? E que a Flórida (EUA) viva hoje o seu pior momento pandêmico, com picos de casos e mortes em uma população em que mais de 60% já estão completamente imunizados?

É verdade que, com a vacinação avançada, o crescimento de casos leves é desproporcional ao de mortes. Ainda assim, o hemisfério Norte vivenciou um aumento de ambos.

A variante delta se mostra mais transmissível, produzindo nos infectados até mil vezes mais vírus que as demais. Acomete gravemente idosos e, possivelmente, crianças. Esses são desafios que se impõem à população, ao sistema de saúde e à ciência.

É difícil compreender a euforia de “fim de guerra” que se constata no Brasil. Programam-se shows e carnavais fora de época. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, projeta um país livre de máscaras até o final de 2021. Tememos que se repita o equívoco de Joseph Biden ao anunciar que a pandemia, se não terminou, está completamente sob controle.

Um merecido alívio para nossas mazelas sociais e econômicas. Mas a realidade vem se mostrando outra. O triunfalismo dos gestores do poder público deve ceder vez a aberturas ponderadas, que todos almejam, mas levadas a cabo pautadas no controle da transmissão.

Devemos continuar a confiar, recomendar e aderir ao uso de máscaras e distanciamento social, evitando aglomerações. Essas são medidas sabidamente eficazes contra qualquer variante do coronavírus.

Esperança sim, mas cautela sempre. É urgente e imperativo que os riscos da variante delta entrem no discurso de nossas autoridades de saúde. A cada dia ela se dissemina mais pelo Brasil. Diante de aumentos de casos e mortes ou da sobrecarga sobre o sistema de saúde, precisamos estar prontos para, infelizmente, retroceder, em tempo oportuno, às medidas restritivas.

Em um mundo globalizado, nada está tão distante que não esteja tão perto. Gama, delta e outras letras do alfabeto grego nos alertam para riscos. “Há um tempo de abraçar e um tempo de se conter”, diz o Eclesiastes (3,5). Os dias que correm requerem mais contenção que abraços.

Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza
Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp)

Luís Fernando Aranha Camargo
Escola Paulista de Medicina (Unifesp)

Rodrigo Nogueira Angerami
Núcleo de Vigilância Epidemiológica (Hospital de Clínicas da Unicamp)

Benedito Antonio Lopes da Fonseca
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP);

Marcos Boulos
Faculdade de Medicina (USP)

Esper Kallás
Faculdade de Medicina (USP)

Júlio Croda
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

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