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O que são evidências para políticas públicas?

Muitas gestões trocam rigor científico por opiniões

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Cada vez mais ouve-se falar no termo “políticas públicas baseadas em evidências”. Parece haver um crescente consenso de que o uso de evidências seria positivo, mas o termo tem sido utilizado de maneira imprecisa.

Assim, acreditamos que os elementos abaixo não podem ser tipificados, “per se”, como evidências para políticas públicas:

1 - A opinião de especialistas: evidências são obtidas por meio de métodos científicos aceitos pela comunidade de referência, porém as evidências necessitam ser interpretadas e traduzidas para assegurar sua assimilação. Estudos e conhecimento adquirido sobre um tema ajudam a circunscrever um problema, identificar as principais variáveis relacionadas e encontrar relações de causalidade e como lidar com explicações alternativas. Porém, não é correto afirmar que uma opinião não fundamentada cientificamente, mesmo que proveniente de alguém com formação na área, possa ser considerada como evidência para políticas públicas. Portanto, a recomendação de uma ação sem a comprovação científica sobre sua eficácia e seus condicionantes, baseada apenas na opinião de um especialista, não é uma recomendação baseada em evidências;

2 - Casos anedóticos: estudos de caso são importantes para aprimorar a interpretação de resultados e para desenhar hipóteses. Porém, o relato informal, incompleto ou pouco rigoroso de um caso, além de pouco informativo, é inadequado. Casos precisam ser analisados de forma detalhada, parcimoniosa e aprofundada, para não ocorrer em inferências errôneas que uma vez seguidas apresentarão consequências negativas;

3 - Estudos em andamento: o conhecimento científico se constrói com a realização de estudos e com a avaliação rigorosa por meio de pares independentes sobre a adequação dos seus dados, o rigor dos métodos empregados e o exame da clareza e pertinência das análises. Estudos podem levar meses ou anos para concluir esse ciclo e sofrer alterações ao longo do processo. Em função disso, há problemas em se estruturar políticas públicas com base em estudos preliminares ou resultados parciais.

Quando é possível realizar pesquisas sujeitas ao escrutínio e revisão da comunidade científica relevante, há evidências para a política pública. Isso passa pelo estabelecimento de um arcabouço teórico sólido e por uma série de testes que demonstrem a vantagem comparativa de uma dada intervenção, incluindo seus custos e benefícios, para além dos indivíduos diretamente afetados pela medida. A obtenção de provas agregadas pode resultar de variadas estratégias metodológicas, incluindo estudos estatísticos, mas também análises qualitativas bem executadas.

É sempre importante que, para além da análise específica da intervenção e do objeto da política pública a ser implementada, as evidências sejam apresentadas com a revisão sistemática de estudos prévios sobre o tema, gerando um conjunto robusto de provas agregadas sobre o objeto específico daquela política pública. A existência de pesquisas científicas com resultados diversos introduz incerteza sobre qual deve ser o sentido da política pública.

Esse é um ponto extremamente importante, pois em grande parte dos temas centrais de políticas públicas, como saúde, educação e segurança pública, é frequente encontrar pesquisas com resultados conflitantes. Em geral, isso ocorre por variações no contexto que não devem ser ignorados. A gestão pública responsável não pode se basear na escolha somente dos dados que lhe são convenientes (“cherry picking”).

Em suma, evidências para políticas públicas devem partir do método científico. A política é o espaço para discussão ampla e democrática entre diferentes projetos. Entretanto, em se tratando de políticas públicas, a gestão de escassos recursos públicos impõe a necessidade de tomarmos decisões eficientes. Portanto, aprofundar o debate sobre políticas públicas com base em evidências, utilizando-se o termo corretamente e sem confundi-lo com opiniões, casos anedóticos e estudos inconclusos.

Marcelo Marchesini da Costa
Laura Muller Machado
Ricardo Paes de Barros
Sandro Cabral

Professores do Insper

TENDÊNCIAS / DEBATES
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