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Márcia Ferri, Daniela Caldeirinha e Veveu Arruda

Os desafios da alfabetização na pandemia

Estados e municípios devem fortalecer pactos e atuar em colaboração

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Márcia Ferri

Gerente da área de Alfabetização na Idade Certa do Instituto Natura

Daniela Caldeirinha

Diretora de projetos da Fundação Lemann

Veveu Arruda

Diretor executivo da Associação Bem Comum

Alfabetizar todas as crianças na idade certa já era um desafio gigantesco e urgente para o Brasil, mas a pandemia do novo coronavírus tornou os obstáculos ainda maiores.

O cenário pré-Covid-19 já revelava uma tragédia silenciosa, uma vez que apenas 49% dos estudantes no 2º ano do ensino fundamental possuíam níveis suficientes de alfabetização em 2019, data do último levantamento realizado pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) —e este percentual foi muito menor em alguns estados, onde menos de 25% dos alunos tinham os conhecimentos esperados para essa etapa de aprendizagem.

Os números já eram alarmantes e devem piorar. É o que mostra a pesquisa realizada pelo Datafolha, a pedido da Fundação Lemann, do Itaú Social e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sobre o processo de alfabetização durante a pandemia de estudantes matriculados nos 1º, 2º ou 3º anos do ensino fundamental. Os dados revelam uma estagnação ou até possíveis retrocessos: 51% dos estudantes ficaram no mesmo estágio de aprendizado, segundo a percepção de pais e responsáveis entrevistados na pesquisa. A ausência de aulas presenciais e, por vezes, falta de capacidade técnica dos familiares para ensinar são alguns fatores apontados como as maiores dificuldades no processo de alfabetização durante este período de escolas fechadas.

Não podemos esquecer que uma criança não alfabetizada na idade certa tem todo seu percurso escolar prejudicado, resultando no agravamento das desigualdades e reforçando o ciclo de exclusão socioeconômico e cultural, como já indicam estudos realizados. Um deles, por exemplo, elaborado pelo pesquisador Ricardo Paes de Barros, indica que, do ponto de vista do indivíduo, um adulto alfabetizado alcança um índice de 77% em uma escala de qualidade de vida, enquanto um não alfabetizado alcança 43%.

É importante ressaltar dois pontos centrais que agravaram o quadro da alfabetização durante a pandemia. O primeiro é a carência de apoio técnico e financeiro para os municípios, os entes responsáveis por essa etapa de ensino e que vivem um cenário de fragilidade e grandes dificuldades, intensificado pelas múltiplas crises geradas pela pandemia da Covid-19. O segundo ponto é o próprio processo de aprendizagem. Por ser uma etapa de pouca autonomia das crianças, elas dependem de uma atenção especial, e o ensino remoto dificulta ainda mais esse processo.

Nesse cenário, é fundamental que estados e governo federal intensifiquem o apoio aos municípios com os protocolos sanitários e pedagógicos para recomposição da aprendizagem por meio do regime de colaboração. Apesar de todas essas urgências, há uma dimensão que não podemos negligenciar: o processo de acolhimento dos profissionais de educação, dos estudantes e seus familiares. Estamos falando de mais de meio milhão de mortos pela Covid-19. São milhares de famílias lidando, entre outros desafios, com a perda de entes queridos, dificuldade para manter a renda e a insegurança alimentar.

Precisamos, com urgência, de um planejamento eficaz para recomposição da aprendizagem, com diagnósticos da situação atual. É importante ter avaliações diagnósticas para planejar ações, de acordo com as diferentes necessidades dos estudantes. Ter clareza de como será feito o agrupamento dos alunos, se por faixa etária ou nível de aprendizagem. Essas, bem como o comprometimento dos entes federativos e o fortalecimento das relações cooperativas, são questões essenciais para retomar os avanços na alfabetização.

Em meio a tantas incertezas, iremos vencer esta crise sanitária, mas quanto tempo vamos precisar para recuperar a defasagem na alfabetização e qual legado que a pandemia da Covid-19 deixará na Educação? É essencial que estados e municípios fortaleçam seus pactos e atuem em colaboração, para restaurarmos os avanços na alfabetização de todas as crianças.

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