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Miguel de Almeida

A nova batalha de Itararé

A esmagadora ausência é a melhor arma diante da insignificância do inimigo

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Miguel de Almeida

Escritor e diretor dos documentários 'Não Estávamos Ali para Fazer Amigos' e 'Tunga, o Esquecimento das Paixões', é autor de 'Primavera nos Dentes' (ed. Três Estrelas)

À beira do bicentenário da Independência, mais uma vez somos colocados diante de uma encruzilhada. Temos de escolher entre a barbárie da violência contra nossas vidas e a construção cotidiana por um país mais feliz e cordato.

Ao longo desses 200 anos, nosso destino sempre se defrontou com desafios entre a escolha pelo futuro e a permanência no passado.

Um passado de intolerância, de manutenção da pobreza, de opressão aos mais fracos, a clivagem com a intenção de dividir nossos ânimos e nos afastar de nossos próprios irmãos. Enquanto nosso ânimo é de um futuro estrelado pela criatividade de nossa arte, pelo encanto de nossas gentes e pela construção de um país mais igual. Com luta, sim, mas para superarmos um atraso perpetuado por aqueles que não enxergam a vida com empatia e criam fantasmas para governar para uns poucos.

Só que a história nos ensinou a distinguir os bons combates, aqueles que merecem nosso sangue, da hipocrisia vociferada pelos ignorantes, aquelas que não valem senão a indiferença e o desprezo.

De novo, a encruzilhada. Aceitar o chamado selvagem ou usarmos a inteligência. O tolo confronto ou corajosa ausência.

O combate não se faz apenas pelo corpo a corpo das guerras medievais. Se faz com estratégia, destemor e a coragem de escolher quais batalhas devem ser travadas. Ou, melhor, quais armas iremos escolher para o embate.

Nosso 7 de Setembro é o da Independência, da liberdade, da civilização brasileira. Miramos a beleza das canções de Noel Rosa e Tom Jobim; miramos a empatia por todos os nossos semelhantes; miramos todos os sangues que integram nosso corpo brasileiro.

O 7 de Setembro convocado por vozes do abismo deve ser encarado como a batalha de Itararé —aquela que não houve. De novo, não deve haver batalha.

Em respeito às quase 600 mil famílias que perderam seus filhos, pais e mães e amigos pela "gripezinha"; em respeito à dor dos muitos brasileiros que hoje ocupam nossas ruas por conta de uma política econômica desastrada; em respeito aos 15 milhões de desempregados; em respeito ao futuro que iremos construir —por tudo isso não iremos às ruas no 7 de Setembro.

Não iremos às ruas para um confronto que é tão somente uma armadilha para justificar um golpe, mais uma violência contra nossas gentes.

Não iremos às ruas não por medo, mas porque a coragem nos ensina a estratégia de deixar o inimigo a sós com seus demônios.

A esmagadora ausência é a melhor arma.

O eco da ausência em resposta ao chamado selvagem, aos gritos vindos do abismo.

Já derrubamos duas ditaduras com centenas de passeatas, com milhares de pessoas nas ruas.

Desta vez ganharemos ao deixar o inimigo diante de sua insignificância.

Nossa ausência é nossa maior vitória.

Nosso 7 de Setembro foi vencido 200 anos atrás. Em 2021, nossa comemoração se dará com um longo panelaço de sete minutos, às 19h. Um ensurdecedor panelaço.

Para que o imenso ruído espante os maus espíritos. De vez

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