Descrição de chapéu
Humberto Mendes

O silêncio dos culpados

Ainda bem que este jornal não se cala, porque sabe que quem cala consente

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Humberto Mendes

Publicitário, é ex-superintendente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) e leitor da Folha há mais de 60 anos

É degradante assistir, nas oitivas da CPI da Covid, no Senado, à opinião de certos depoentes, alguns até responsáveis por ajudar a transformar o que era considerado uma “gripezinha” à toa num verdadeiro genocídio, semelhante ao que aconteceu na Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Em pouco mais de um ano tivemos no Brasil um morticínio de mais de 600 mil pessoas, isso sem contar os milhares de infectados que ficaram com sequelas que demandarão muito tempo e custos impagáveis para a recuperação. Certos criminosos dessa guerra descobriram que a lei no Brasil permite obter um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal que lhes garante o direito constitucional de permanecerem calados, não respondendo a questões que possam comprometê-los.

Esses depoentes, invariavelmente antes do depoimento, já “passam no STF” e conseguem esse benefício, que usam e abusam para contar mentiras e invencionices e demonstrar cinismos sem um mínimo de dignidade —fazem tudo para proteger os verdadeiros mandantes dos crimes, quando não são eles próprios. Não sabem nada, não conhecem ninguém, negam tudo; mas, por sorte, a CPI da Covid dispõe de informações que, se não os desmascararam no ato, farão isso no relatório final.

Um deles, envolvido numa farsa de 400 milhões de doses de vacinas inexistentes e que se declarava pastor, ao ser indagado sobre qual seria sua religião declarou: “Vou manter o silêncio que a lei me faculta”. O azar dele foi que a senadora que o interrogou é evangélica de verdade.

Um outro, envolvido num caso de mais de 20 milhões de doses, não sabia sequer o endereço de sua empresa e nada respondia até que, em determinado momento, o presidente da CPI perguntou se ele havia participado da morte do presidente Getúlio Vargas —e aí ele disse que não. Foi a primeira resposta que deu, além da célebre frase “vou manter o silêncio”. Isso, por si só, demonstra o descaso com que depoentes como ele, acobertados pelo imerecido habeas corpus, tratam os senadores que trabalham arduamente para levar a cabo a investigação.

Outros mentem descaradamente e ainda soltam um sorriso de escárnio para quem lhe faz a indagação. E o mais grave é que alguns senadores, como verdadeiras hienas, também acham graça disso e até defendem tais farsantes. Quem são esses senadores? É só prestar bastante atenção aos depoimentos e marcar seus nomes e suas caras para, assim, não votar neles novamente.

A frase “vou me manter calado”, da forma como o depoente a pronuncia, é de um ridículo acachapante e seria cômica se não fosse tão grave; mas, ainda assim, penso que o benefício bem que poderia ser utilizado por um certo presidente que mente o tempo todo e lança diatribes contra tudo e contra todos, mas acaba transformando em motivo de chacota —não só ele mesmo, mas também todo o país. Em outras palavras, se usasse o benefício para ficar calado, seria muito melhor para ele, para o país e para todos.

Alguém mais desinformado pode até pensar que o STF, ao conceder tal benefício, está protegendo o infrator, mas não é nada disso. Tem um velho ditado que andou pela boca do povo durante o centenário da Folha: “dura lex sed lex”, que, traduzido, significa “a lei é dura, mas é a lei”. Acho que o STF acredita no ditado

A Folha, o Supremo e a CPI da Covid não têm se calado. Essa é a arma de que o Brasil realmente precisa.

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