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Diego Pereira

Justiça climática: do Egito à Bahia

COP27, no Cairo, poderá levar periferias do mundo ao centro das discussões

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Diego Pereira

Procurador federal na Advocacia-Geral da União (AGU), é autor de ‘Vidas Interrompidas pelo Mar de Lama’ (Lumen Juris)

A música "Faraó Divindade do Egito (Eu falei Faraó!)" é um clássico da música baiana que reverencia o Egito a partir dos tambores do Olodum e também da voz de Margareth Menezes. A canção aproxima a Bahia da África.

As enchentes no sul baiano têm chamado a atenção dos cientistas como um típico exemplo de evento extremo, o que faz acender o alerta para a correlação com as mudanças climáticas que vêm ocorrendo ao redor do mundo. Como consequência, os atingidos são pessoas mais miseráveis, econômica e socialmente, o que potencializa a reflexão do que vem a ser (in)justiça climática.

No ano passado, a COP26, contrariando a agenda oficial das nações presentes, trouxe um chamamento público para o debate sobre justiça climática a partir de manifestações populares, de jovens, indígenas, quilombolas e negros.

Mas o que se entende por justiça climática? É o olhar sociológico à desigualdade que marca os riscos dos desastres. É a compreensão, pelo setor público e privado, de que a vulnerabilidade das vítimas de eventos ambientais danosos se relaciona com o contexto em que estão inseridas. É a busca da diminuição das desigualdades entre uns e outros nos impactos das mudanças no clima.

E o que esperar da próxima conferência sobre o clima?

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O historiador e antropólogo senegalês Cheikh Anta Diop em 1985 - Reprodução

O encontro seguinte não poderia acontecer em local mais propício: o continente africano. Será no Egito, um país tão bem estudado por Cheikh Anta Diop, um senegalês pouco conhecido que completaria cem anos de nascimento em 2023.

A COP27, neste ano, deve ter a cara de Anta Diop, que dedicou sua vida a demonstrar o perigo da história única. Deve ser uma conferência do clima que busque quebrar paradigmas ao pensar a humanidade para além da epistemologia hegemônica do norte global.

Aliás, na temática ambiental, a perspectiva histórico-científica não pode se manter eurocêntrica —a periferia do mundo precisa participar, com voz, das negociações. Por suas lições, devemos nos aproximar, enquanto povo, muito mais da África do que da Europa, já que, na dinâmica da cruel desigualdade, estamos mais para lá do que para cá.

Foi no Cairo, sede da próxima COP, que Anta Diop apontou, em uma Conferência da Unesco, em 1974, que a história é contada também pela política e corroborada pela ciência. Para ele, a centralidade dos discursos europeus sobre a origem da humanidade se desintegra a partir do conceito de afrocentricidade.

A COP27 precisa, então, manter a característica do olhar singularizado para as injustiças que envolvem as mudanças climáticas ao se colocar cada vez mais sensível aos problemas da periferia do mundo. Contudo, isso precisa estar em sua estrutura, no centro da agenda oficial.

Trazer a interdisciplinaridade de Anta Diop para a COP27 representa o foco nos problemas dos excluídos, dos mais vulneráveis, para pensar o futuro climático muito além de soluções unidirecionais das nações mais ricas. Afinal, quando se olha para os rostos das vítimas das enchentes na Bahia, a explicação do que seja injustiça climática se torna desnecessária.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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