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O que a Folha pensa Rússia

Um pequeno passo

Negociação entre Rússia e Ucrânia vai além da propaganda, mas está longe do fim

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O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, fala às delegações russa e ucraniana em Istambul - Xinhua

Quando a dissecção desses dias terríveis da invasão russa à Ucrânia estiver concluída, possivelmente será possível dizer que foi uma guerra das mais opacas em tempos supostamente mais transparentes.

Lados beligerantes mentem, distorcem e tentam ganhar o público desde o Peloponeso, para ficar no registro clássico. Mas o misto de guerra com o ambiente de balbúrdia informativa instantânea era inédito até aqui em tal escala.

Com isso, a retomada de negociações presenciais para tentar acabar com o combate —sob a égide do turco Recep Tayyip Erdogan e associada a uma suposta pausa nos ataques russos contra as regiões de Kiev e Tchernihiv— trouxe dupla leitura: ou era um avanço notável ou uma mentira útil, principalmente para Vladimir Putin.

É evidente que o ponteiro aponta mais para a segunda interpretação, mas será engano não concluir que um pequeno passo foi dado em Istambul. O fim do conflito, de todo modo, parece distante.

As demandas russas são conhecidas, mas seus objetivos militares visíveis indicam ambições maiores que a tomada do Donbass, região separatista no leste ucraniano.

Já Kiev não parece se contentar com nada menos do que uma retirada dos russos, para daí aceitar os termos de sua rendição. Ainda assim, deixou uma lista de itens por escrito, o que sugere um amadurecimento das conversas que ocorrem há semanas com Moscou.

Endurecer a retórica faz parte do jogo —inclusive porque todos sairão perdendo de alguma maneira ao fim de um conflito tão destrutivo. O que parece estar na mesa é o tamanho da derrota e o quanto ela poderá ser embalada para os públicos internos como uma vitória.

Para Putin, uma Ucrânia fatiada de áreas pró-Rússia e de vez fora da Otan, o clube militar comandado pelos Estados Unidos, parece mais do que suficiente para esse fim. Tal objetivo não condiz com a escala de sua guerra, é verdade, mas as críticas aos alegados erros militares poderão não ter grande peso para o público doméstico.

Já para o ucraniano Volodimir Zelenski, sobreviver com um acordo no qual Putin pareça o derrotado no Ocidente também soa como um saldo razoável. E o americano Joe Biden terá o que dizer para os eleitores parlamentares de novembro.

Por óbvio, nada disso evitará o impacto da guerra nas relações internacionais, que pode mudar o alcance da globalização, nem o drama humano ora em curso.

editoriais@grupofolha.com.br

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