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João Badari

Milagre contábil no INSS

Custo de R$ 360 bilhões na revisão da vida toda não condiz com a realidade

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João Badari

Especialista em direito previdenciário e “amicus curiae” no processo da revisão da vida toda pelo Instituto de Estudos Previdenciários

Os dias que se seguiram ao pedido de destaque do ministro Kassio Nunes Marques no julgamento conhecido como revisão da vida toda, no Supremo Tribunal Federal, foram espantosos. Isso em razão de afirmações de que o custo desse direito seria de R$ 360 bilhões, o que não condiz com a realidade.

Na revisão da vida toda, aposentados pedem à Justiça que todas as suas contribuições feitas ao INSS sejam consideradas no cálculo da média salarial para, assim, aumentar a renda previdenciária.

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Aposentados vão à Justiça para pedir a inclusão de todos os salários no cálculo do benefício do INSS - Gabriel Cabral/Folhapress

É importante destacar que a revisão da vida toda é uma ação de exceção —conforme contextualizado no voto do ministro Alexandre de Moraes—, na qual o próprio INSS afirma que o benefício alcançaria 31,28% dos aposentados e pensionistas que se aposentaram após março de 2012 e 13 de novembro de 2019. A autarquia vai além: supõe nos autos que, a cada dois aposentados neste perfil, apenas um ajuizaria o processo. Na nota técnica produzida pelo Ministério da Economia (NT SEI 4921/2020/ME), juntada ao processo pelo INSS, foram analisados 108.396 registros aleatórios obtidos pelo sistema Dataprev, o que daria à ação, segundo dados inflados, um custo de R$ 46 bilhões.

Reforço que esse número é superestimado por incluir na conta os anos de 2009 a 2011, "caducados". E trazia ainda a suposição de que 50% dos aposentados ajuizariam o processo de revisão. O fato de claramente trazer uma suposição demonstra que não existe critério científico na elaboração dos dados por parte do INSS.

Porém, após deixar claro nos autos que a ação não se aplica a todos, atestar a decadência para quem se aposentou há mais de dez anos e entender que não cabe para quem se aposentou após a reforma da Previdência, menos de dez dias após a vitória dos aposentados, por 6 ​a 5, a autarquia se contradisse. No dia 4 de março, foi elaborada a nota técnica nº 12/2022 DIRBEN/INSS, a "nota dos R$ 360 bilhões".

Poucas vezes presenciei uma manobra tão rasteira na manipulação da opinião pública: uma tentativa de inflar ainda mais o número de beneficiários de forma a sustentar uma argumentação de que o Brasil vai quebrar. Nesta nova nota técnica, o INSS exagera ao afirmar que a revisão da vida toda caberia para todos os benefícios após 1999. E, mais, que todos os beneficiários poderiam revisar a sua renda mensal.

Para ser mais didático: se você tem uma empresa com 100 funcionários e não paga corretamente os direitos de 31 deles, teria como 150 pessoas entrarem com uma ação contra a sua empresa e ainda ganharem? Óbvio que não, ainda mais levando em conta que, destes 31, alguns não terão o direito, pois o prazo para acionar o Judiciário venceu.

O ministro Nunes Marques, em seu voto divergente, afirmou que "excepcionalmente, aqui e ali, haverá um trabalhador que teve altos salários e depois caiu no fim da carreira. Mas isso é raro. O normal é que o trabalhador tenha maiores remunerações quando está mais velho e com mais tempo de serviço". Ou seja, até mesmo o voto divergente atesta que é uma ação de exceção.

Os atingidos, como sempre, ficam no lado mais fraco da corda. Este milagre contábil é desleal com os aposentados que tiveram descontos elevados em folha e se encontram com o seu direito à Justiça indefinido.

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