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Isabela Rahal

Direito das mulheres não é moeda de troca política

MP não resolve vícios da desigualdade de gênero no trabalho e cria outros

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Isabela Rahal

Coordenadora legislativa na Câmara dos Deputados e diretora de Articulação Política da ONG Elas no Poder; mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Columbia (EUA)

As mulheres foram as que mais sofreram perdas no mercado de trabalho nesta pandemia. E um dos principais fatores é que as escolas fecharam e, sobrecarregadas, muitas brasileiras precisaram deixar seus empregos para cuidar dos filhos e da casa. Várias ainda não recuperaram seus trabalhos —hoje temos 6,5 milhões de desempregadas.

É essencial que falemos da verdadeira causa para tais índices: o machismo estrutural da nossa sociedade. Perdura entre nós o conceito de que a responsabilidade da casa e dos filhos é da mulher e são elas que devem sacrificar seus empregos e renda em um momento onde não existem alternativas para o cuidado.

É o machismo, também, a causa para a disparidade salarial entre os gêneros, assim como a falta de mulheres em cargos de lideranças. Mesmo quando são tão ou mais qualificadas quanto eles, têm salários e posições menores. E estudos mostram que essa disparidade surge justamente no nascimento do primeiro filho: quando a carreira de homens segue em ascensão, a de mulheres passa a cair ou se estagna. O recado segue o mesmo: cuidar da casa é tarefa delas, enquanto o mercado de trabalho é primordialmente dominado por eles.

Essa situação se arrasta há décadas, mas tornou-se muito mais crítica a partir de 2020 quando, em meio à pandemia, mulheres foram mais de 90% das perdas de empregos. A resposta do governo federal veio somente agora. Uma resposta insuficiente, desconectada da realidade e, acima de tudo, tão machista quanto os problemas que tenta resolver.

A medida provisória 1.116 não estabelece valores ou medidas concretas que possam, de fato, resolver o problema. Por exemplo: permite a suspensão do contrato de trabalho de pais para o cuidado com os filhos. No Brasil de hoje, quais pais podem se dar ao luxo de suspender seus ganhos salariais para cuidar dos filhos?

A medida permite, ainda, que creches sejam pagas com os valores do FGTS. Transfere aos pais o ônus de um dever que é do Estado, o da universalização da creche. E mais: permite também que o FGTS seja utilizado para a qualificação de mulheres — a atribuição é sempre importante, mas falta de qualificação é realmente o problema que vem impedindo mulheres de ingressarem no mercado de trabalho? Todos os estudos apontam que não. A MP ainda libera o uso de férias individuais para cuidar dos filhos —transferindo aos cidadãos, de novo, um direito que lhes deveria ser garantido pelo Estado.

Existem pontos importantes na medida, é verdade: a flexibilização de horários de entrada e saída é um deles. Mas não é uma obrigatoriedade dada à empresa. Essa medida fala com uma parcela muito pequena e privilegiada da população, que não representa a maioria das mulheres.

Mais ainda, a resposta não lida com o problema de fato: não teremos igualdade plena no mercado de trabalho enquanto não entendermos que a responsabilidade dos cuidados com a casa e os filhos deve ser compartilhada entre homens e mulheres. Para isso existe uma série de propostas que podem auxiliar nesse processo, como o projeto de lei 324/2022, que desonera a folha para a contratação de mulheres, dando incentivos reais para que as empresas as contratem, e o PL 569/2020, que amplia a licença-paternidade.

É com propostas efetivas, baseadas em estudos e experiências de sucesso em outros países, que se combate o desemprego de mulheres e a desigualdade no mercado de trabalho —não com medidas vazias tomadas por um governo que tenta, em ano eleitoral, mostrar que fez algo pelas mulheres brasileiras.

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