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Isaias Coelho

O governo deve taxar o lucro extra da Petrobras? NÃO

Mecanismos de captura de rendas do petróleo no Brasil são inadequados

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Isaias Coelho

Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV, é doutor em economia pela Universidade de Rochester (EUA) e ex-assessor especial do ministro da Economia, Paulo Guedes

Face ao grande desempenho obtido pela Petrobras em 2021, há quem proponha tributar esses "lucros extraordinários" para além dos impostos que já são devidos. Outros propõem limitar o preço que a petroleira pode cobrar pelos seus produtos. Tais propostas são simplistas e equivocadas. O preço do petróleo é formado no mercado global e, ao menos que o país seja autossuficiente, manter preço interno diferente do preço externo é insustentável.

Mas, pergunta-se, como tolerar os grandes lucros que surgem com os choques externos, como a brutal invasão da Ucrânia, quando isso traz mais inflação e dificuldades para o povo? É sempre bom lembrar que a função dos preços é sinalizar escassez. Se os preços sobem, o conjunto de produtores é incentivado a expandir a produção, quando possível, e encontrar produtos (no caso, energéticos) substitutos. Preços altos atraem investidores, cuja produção adicional reduz preços.

Ao mesmo tempo, em razão do aumento de preços, os consumidores são incentivados a reduzir o consumo do produto ou a buscar substitutos (ou ambos). Interferir na formação de preços é contraproducente: atrasa encontrar soluções.

No caso de recursos naturais, é certo que, no Brasil, o subsolo e suas riquezas não são propriedade de indivíduos ou empresas: pertencem à União. Os que exploram minérios e petróleo/gás têm que pagar à União pelo acesso a essas riquezas. Se esse pagamento for bem desenhado, a União é que será a principal beneficiária das rendas extraordinárias que surgem dos aumentos inesperados de preços —e poderá dispor delas da maneira que as políticas públicas julgarem mais apropriado.

A captura da renda extra pela União é possível através de vários instrumentos, como um Imposto sobre a Renda de Recursos Minerais que tribute, com alíquota considerável, o lucro bruto da exploração (valor na boca do poço ou mina menos custo de exploração e extração). Esse imposto seria dedutível da base do IRPJ (imposto sobre o lucro aplicado a toda empresa). Um adicional do IRPJ não teria o mesmo efeito, já que há muitas formas legais e ilegais de reduzir a base desse imposto.

Os instrumentos usados no Brasil são inadequados. O royalty incide sobre o valor da produção, sem considerar o lucro. Os pagamentos por outorga da concessão não podem prever os choques de que tratamos. A elevada taxa "de fiscalização" cobrada "ad valorem" sobre as minas não tem explicação lógica. Com mecanismos inadequados de captura de rendas do petróleo, não surpreende que os resultados sejam insatisfatórios.

O que não pode ocorrer é tributação retroativa. Regras tributárias devem ser definidas "ex ante". Se as regras —inclusive tributárias— estabelecidas foram observadas, lucros "extraordinários" passados não podem ser alcançados por leis novas. Lucros elevados não ocorrem apenas no setor de petróleo. O critério para tributar "lucros extras" (que requerem cuidadosa definição) teria que ser aplicado a todas as empresas de todos os setores, sem discriminação, e somente para lucros futuros. Regras novas para lucros já apurados são expropriação, não cabem numa sociedade aberta e democrática.

Questão conexa que tem sido discutida é o impacto dos altos preços do petróleo na gasolina e no diesel nas bombas. No preço entram, além de custos e lucros dos vários atores econômicos, a tributação. O estado do Rio de Janeiro aplica ICMS de 34% sobre a gasolina. Como essa taxa é calculada "por dentro", aumentando a base de cálculo, corresponde, na verdade, a imposto de 51,5% —o que é certamente exagerado e devia ser reduzido, com crise ou sem crise.

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