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Luis Carlos Petry e Rudá Ricci

Bolsonaro estimula ações violentas com seus discursos de ódio

Instituições precisam coibir estímulos do presidente a ataques contra adversários

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Luis Carlos Petry

Doutor em Comunicação e Semiótica, psicanalista e professor aposentado pela PUC-SP

Rudá Ricci

Doutor em ciências sociais e presidente do Instituto Cultiva

Os acontecimentos políticos nem sempre são capturados em sua extensão. Muitas vezes, acabam percebidos como eventos isolados. Somente em momentos especiais é possível capturar os nexos e o desenho que formam.

A dificuldade de percepção do todo é ainda mais acentuada em atos de violência política que aparentemente se apresentam desarticulados entre si, principalmente se a autoria é voluntária.

Este é o caso do momento político que vivemos no Brasil, e os eventos começam a se esboçar em cascata. Os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips impactaram a opinião pública, mas ainda não foram vinculados ao clima extremista instalado em nosso país.

Velório do guarda municipal e tesoureiro do PT Marcelo Aloizio de Arruda, baleado durante a própria festa de aniversario, neste domingo (10), por adepto do bolsonarista - Paulo Lisboa/Folhapress

Formou-se um caldo de cultura da violência e, assim, em 15 de junho, um drone despejou fezes em manifestantes que aguardavam a chegada de Lula na cidade mineira de Uberlândia.

Algumas semanas depois, em 6 de julho, um projétil atingiu e perfurou uma das janelas da Redação da Folha, no quarto andar do prédio. No dia seguinte, um fanático atirou uma bomba caseira em ato de Lula no Rio de Janeiro.

Também no dia 7, o carro do juiz federal que decretou a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro foi atacado com fezes e ovos.

E chegamos, então, ao assassinato de um dirigente petista que festejava, em lugar fechado, seu aniversário, com festa que tinha o PT como tema. Um pouco antes do crime, o assassino passou de carro em frente ao salão de festas dizendo "Aqui é Bolsonaro" e "Lula ladrão"

Os fatos parecem claramente interligados. O que se vê é o que se denomina de terrorismo estocástico. São fanáticos alimentados por bolhas extremistas ou "câmaras de eco" que disseminam diariamente o ódio, o racismo e a construção de um mundo paralelo onde a realidade é apresentada como algo nefasto a ser combatido.

O terrorismo estocástico se constrói pelo incentivo à ação direta, ao voluntarismo extremista para eliminar alvos claramente identificados. Ele se caracteriza pela ação pulverizada, autoral, não organizada, mas que apresenta uma lógica que combina radicalização ideológica e mecanismos de massa inconscientes.

No caso brasileiro, há um agravante: o incentivo às ações estocásticas tem a sua fonte nas reiteradas falas do presidente da República. Em meados de maio, Jair Bolsonaro incentivou a violência política afirmando que "um tiro só ou uma granadinha mata todo mundo". No final de maio, em Jataí (GO), simulou cortar o próprio pescoço com um facão.

E, assim, desde 2018, incentiva ações diretas contra seus opositores políticos em uma linha de incitamento ao ódio e a ações isoladas. De acordo com a psicanálise, as falas do líder extremista podem funcionar como disparadores psíquicos de comportamentos violentos por parte de seus liderados que se situam dentro das células autônomas e independentes.

A incitação à ação funciona como uma autorização para o comportamento violento, oferecendo um alvo para as pulsões agressivas de indivíduos isolados na massa. Nisso, a ação individual violenta realiza o desejo do líder.

Assim, ao adentrar na festa de aniversário privada do político petista, o adepto do bolsonarismo reifica a fala do líder, que na campanha eleitoral de 2018, em ato no Acre, exaltou: "Vamos fuzilar a petralhada toda".

O fascismo, lembremos, é mobilizador e popular. Atua sobre personalidades predispostas às quebras de convivência social e de tolerância, como no caso dos sádicos e até mesmo daqueles fortemente entediados que procuram adrenalina ou alguma razão para viver.

A lógica fascista tem como método a ativação de elementos irracionais e a autorização psicológica a desatinos e selvagerias, a famosa "licença para torturar e matar".

A sequência de atentados e assassinatos indica a urgência de atuação do Ministério Público Federal e das demais instituições brasileiras, no intuito de coibir os discursos de Bolsonaro incentivadores à violência política. É preciso desbaratar as redes de incentivo ao terrorismo estocástico em formação no Brasil.

Houve uma mudança de patamar na violência política brasileira na virada do primeiro para o segundo semestre. Não se pode ignorar um ovo da serpente.


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