Descrição de chapéu
Becky Korich

Nem médico, nem anestesista, nem louco

Em vez de tirar a dor, esse cara causou a maior das dores que uma mulher pode sentir

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Becky S. Korich

Advogada, dramaturga e cronista do blog www.quarentenando.com

Esse cara não é médico. Médico é quem cuida, cura, dá vida. Esse cara não é gente. Gente é quem pensa, sente e respeita. Esse cara não é homem. Homem é quem assume. Esse cara não é louco. Louco é quem tem alguma alteração patológica nas suas faculdades mentais. Não tem atenuante. Não tem perdão.

Esse cara é um médico ao contrário. Médico trata de erradicar a doença dos outros. Ele espalha a sua própria doença.

Giovanni Quintella Bezerra ao ser preso, em São João de Meriti, por estupro de paciente que passava por cesárea - Fabiano Rocha/Agência O Globo

Esse cara é um anestesista ao contrário. Em vez de tirar a dor, causou a maior das dores que uma mulher pode sentir. Uma dor para a qual não existe anestesia que aplaque. Uma dor sem data de validade. Uma dor que revolta, que envergonha, que dá nojo.

Esse cara é um louco ao contrário. Louco é quem não sabe o que está fazendo. Ele sabia bem o que estava fazendo, tomou cuidado para não ser flagrado, dopou a mulher com uma dose maior de sedativo, usou a anestesia como seu próprio veneno e dele tirou proveito. Violou, violentou, abusou, estuprou, desprezou o milagre da vida, desrespeitou a medicina, o líquido anestésico, a maca, o lençol, as paredes, o crachá, o CRM. Foi cruel, maleficiente, antiético, imoral. Desprezou todos os corpos femininos junto com o corpo da mulher desacordada.

Esse cara é um ladrão. Roubou o prazer do encontro da mãe e o recém-nascido, em nome de seu prazer. Tantos atos criminosos num só crime.

Inverteu a abertura do seu avental para facilitar a manobra macabra e subverteu a ordem das coisas, invadindo um espaço sagrado. Sua roupa era esterilizada, mas estava suja, imunda, contaminada. O estetoscópio pendia no pescoço de um corpo sem coração, sem pulso.

Foram dez minutos, uma eternidade quando se trata de uma atrocidade. A mulher foi cindida: de um lado do lençol, a alegria de uma vida chegando; do outro lado, a beleza do momento se esvaindo pela boca. De um lado, a esperança, a delicadeza, do outro uma brutalidade irremediável. Menos de um metro de distância separavam esses dois mundos. O paradoxo do começo e do fim, da pureza e da indecência.

Que tipo de prazer é esse? Que tipo de pessoa é essa? Isso já não importa.

Nas redes sociais, onde expunha imagens não autorizadas de bebês e partes do corpo de mulheres, ele escreveu "Vocês ainda vão falar de mim. Esperem." Infelizmente, nesse quesito, ele não podia estar mais certo.


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