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Cesar Callegari

Revogar a Lei do Ensino Médio?

É preciso, primeiro, uma sólida proposta substitutiva

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Cesar Callegari

Sociólogo, é presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada; ex-secretário de Educação Básica do MEC (2012-13, governo Dilma), ex-secretário municipal da Educação de São Paulo (2013-15, gestão Haddad) e membro do Conselho Nacional de Educação, onde presidiu a Comissão de Elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

Em 2018, neste espaço, defendi a revogação da lei 13.415/2017, que instituiu o chamado "novo ensino médio". Com a proximidade das eleições, essa ideia volta a ser cogitada, cabendo questionar se a proposta de revogação ainda deve ser sustentada.

À época argumentei que a reforma seria excludente, reducionista e poderia acentuar as graves desigualdades educacionais brasileiras. E defendi que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, recém-apresentada pelo MEC, também fosse rejeitada. Passados quatro anos, tanto a lei quanto a BNCC continuam em vigor, e muita coisa aconteceu. A começar por dois grandes desastres: uma pandemia e a pavorosa incúria educacional do governo Jair Bolsonaro (PL).

Em que pesem esses flagelos, a maioria dos governos estaduais tomou medidas para a implementação da reforma. As situações são muito diversas, mas até aqui o quadro geral sugere fracassos. Direitos educacionais dos estudantes vêm sendo rebaixados, e muitos jovens têm sido excluídos do sistema escolar, enquanto aumentam as desigualdades em detrimento dos segmentos sociais mais vulneráveis. A redução da parte comum dos currículos para 1.800 horas, conforme prevê a lei, vem se refletindo na eliminação de conteúdos importantes de várias disciplinas. A organização curricular por áreas de conhecimento —outra ​novidade— não tem sido acompanhada de investimentos na formação docente, revelando-se casos de flagrante improviso, onde professores de biologia são obrigados a dar aulas de física sem nenhum conhecimento sobre a matéria.

Na mesma linha, a miragem de que os jovens poderiam optar entre vários itinerários formativos mostra-se um festival de arremedos e frustrações. Na maioria das escolas, essas opções são reduzidas ou inexistentes e raramente dispõem de educadores com formação e equipamentos adequados ao seu trabalho. Na falta de profissionais e infraestrutura, algumas redes, como a do Paraná, apelam para simulacros de aulas a distância, sob protesto dos estudantes. Outras, como a de São Paulo, respondem a ações judiciais pela escandalosa falta de professores.

Diante desse quadro, justifica-se a revogação da lei e sua proposta de reforma? A resposta deve ser não —ainda não. Políticas e programas educacionais podem ser modificados ou até extintos, mas não sem, antes, uma rigorosa avaliação. E jamais sem a apresentação de uma sólida proposta substitutiva. Pois são políticas públicas, envolvem recursos públicos, mobilizaram milhões de pessoas que enfrentaram problemas, criaram soluções e, por isso, merecem consideração criteriosa.

É preciso reconhecer que uma reforma do ensino médio continua sendo necessária e urgente no Brasil. Dos jovens que conseguem concluir essa etapa, só 10% adquiriram conhecimentos suficientes em matemática e apenas 37% em língua portuguesa, situação agravada pela pandemia.

Contudo, no instante em que se discutem as diferentes propostas eleitorais, o verbo correto é "rever" o atual modelo de reforma do ensino médio a partir de um amplo diálogo com professores, estudantes, pesquisadores e gestores. E, com base nessa experiência, construir uma proposta alternativa na perspectiva de um pacto nacional pela educação de qualidade como direito de todos.

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