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Bernardo Braga Pasqualette

40 anos da pior das crises

Com economia arruinada, vivia-se um dia de cada vez, e a cada dia sua agonia

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Bernardo Braga Pasqualette

Advogado e jornalista, é autor de "Me Esqueçam" (ed. Record), sobre o ex-presidente João Figueiredo

Folha, 6 de abril de 1983. Em editorial ("Abertura em crise"), o periódico refletia sobre quão tardia havia sido a resposta do governo brasileiro aos primeiros sinais da crise econômica que se anunciara no final da década de 1970. Naquele primeiro semestre de 1983, o Brasil ainda pagava a conta de um dos piores meses de toda a história econômica nacional: setembro de 1982, o famigerado "setembro negro", no qual a economia brasileira "quebrara".

Tudo começou em 1979, coincidentemente o primeiro ano de mandato do presidente João Figueiredo. Em Teerã, chegara ao poder o aiatolá Khomeini, o que daria início ao segundo choque do petróleo. Para piorar o que já era suficientemente ruim, Paul Volcker, secretário do Tesouro norte-americano, elevou a taxa de juros diante do quadro recessivo em seu país, o que afetaria diretamente a dívida externa brasileira.

Dois personagens de uma só crise. Cada qual a seu modo e com suas próprias convicções. Ambos foram responsáveis por decisões que arruinariam a economia brasileira, àquela altura um dos maiores devedores do mundo em desenvolvimento.

Em setembro de 1982 haveria o encontro do FMI em Toronto, no Canadá. Autoridades monetárias brasileiras esperavam que naquela ocasião fosse criado um fundo para ajudar as combalidas economias dos países devedores. Nada feito. O ciclo de crescimento baseado no endividamento externo acabara. Era o triste fim do "milagre econômico" brasileiro.

A conta tardara, mas chegara.

Assim, há exatos 40 anos, a economia brasileira estava em frangalhos, incapaz de arcar com o serviço da dívida do país. Aos funcionários do Banco Central cabia a ingrata missão de viajar pelo mundo para descontar créditos pequenos e medianos para fechar as contas ao final de cada dia. Vivia-se um dia de cada vez, e a cada dia a sua agonia. Assim, todo dia era uma agonia.

Parecia muito, mas não era tudo. A caótica realidade se impunha e chegou a ser necessário usar o braço produtivo do governo, que ainda gozava de algum crédito no exterior, para ajudar a saldar os juros da dívida, já que os credores internacionais não aceitavam mais rolar a dívida diretamente para o governo brasileiro. Assim, Banco do Brasil, Banespa e até a Petrobras entraram em cena para evitar a bancarrota.

Diante do abismo econômico, Figueiredo vociferou: "Largaram os quatro cavaleiros do Apocalipse em cima do meu governo. Eu não mereço isso! Só falta agora uma praga de gafanhotos". E a praga veio. Naquele mesmo ano, nuvens de gafanhotos vindas da Bolívia invadiram o estado de Mato Grosso.

Desavisado, no entanto, o presidente não estava. Mário Henrique Simonsen, poderoso ministro do Planejamento no início de seu mandato, alertara-o sobre as condições dramáticas que se avizinhavam. Não foi ouvido. Pouco depois, o povo pagou a conta naquilo que ficaria conhecida como a "década perdida" —e o governo de Figueiredo acabara marcado pelo arroxo salarial e pelo receituário recessivo imposto pelo FMI.

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