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Wallace de Moraes

Charlatanismo teocrático imbrochável

História ajuda a entender o presidente-candidato e o coro para si mesmo

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Wallace de Moraes

Doutor em ciência política, é professor dos programas de Pós-Graduação em Filosofia, de História Comparada e do Departamento de Ciência Política da UFRJ

Segundo o psiquiatra Wilhelm Reich (1897-1957), o fascismo é a expressão máxima do misticismo religioso: "O fascismo apoia a religiosidade que provém da perversão sexual e transforma o caráter masoquista da velha religião patriarcal do sofrimento numa religião sádica".

Na data de comemoração dos 200 anos de Independência do Brasil de Portugal, o presidente-candidato, diante de uma multidão de seguidores, pediu um coro para si mesmo, aos gritos: "Imbrochável, imbrochável, imbrochável!". A história nos ajuda a entender essa postura.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e a primeira-dama, Michelle, no desfile de 7 de Setembro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília - Gabriela Biló - 7.set.22/Folhapress

Os colonizadores (todos homens brancos cristãos), que conquistaram as Américas e praticaram o tráfico negreiro pela "força da baioneta" (Frantz Fanon, 1925-1961), viam-se como superiores àqueles povos que aqui viviam sem roupas e sem religião. O estupro de indígenas e africanas era algo comum para esses paladinos da religião. Eles consideravam-se viris, conquistadores e comungavam dos princípios de uma sociedade patriarcal legitimada por sua religião e pelo seu Estado.

A suposta Independência brasileira, em 1822, não significou nada para negros e indígenas, que continuaram escravizados, açoitados e humilhados, tendo suas terras roubadas, seu habitat destruído e seus corpos estuprados, muitos pegos a laço.

Na Alemanha nazista, o governo do cabo do Exército Adolf Hitler recebia todo o apoio das igrejas e de seus seguidores. Ele reunia multidões pelo país para destilar um ódio ao diferente. Assim, comunistas, esquerdistas, LGBTQIA+ e, como se sabe, judeus, eram seus principais alvos. Virilidade, força e conquista ocupavam papel central no imaginário do poder nazista, que estabelecia como meta matar o inimigo. Era a aplicação do "nós contra eles".

Em comum, colonizadores e nazistas, amplamente apoiados pelas igrejas, consideravam-se arautos da boa moral e dos bons costumes. Fizeram tudo em nome de Deus e pela pátria. Eram conquistadores, viris, patriarcais, patriotas e imbrocháveis.

Nesse ínterim utilizam o nome de Deus para propagar o discurso de ódio contra o opositor, o diferente, apresentando-os como beberrões, ladrões, esquerdistas, mulheres, gays, lésbicas e... Brocháveis.

Pregam a liberação das armas (para quem pode comprar, é claro); são coniventes com a existência de grupos paramilitares que extorquem e amedrontam comunidades inteiras; defendem as ações políticas que estimulam a destruição das florestas e matam os povos indígenas; apoiam as invasões de favelas que matam pobres e negros; são contra as vacinas. A alusão a Jesus, que nunca defendeu o assassinato de ninguém, caracteriza um verdadeiro charlatanismo teocrático, que, evidentemente, é racista. Os lemas "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" e "bandido bom é bandido morto" expressam a união entre princípios de religião, do patriarcado, da guerra e dos imbrocháveis realizada por charlatões teocráticos.

Talvez Freud explique o sentido de dizer-se em coro como "imbrochável".

Por fim, Reich, versando sobre o fascismo, disse: "A ideologia da raça é uma grande expressão biopática pura da estrutura do caráter do homem orgasticamente impotente".

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