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Miguel Matos

Machado de Assis e o absenteísmo eleitoral

Um século depois de sua morte, escritor mal poderia imaginar risco de resultado ridículo

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Miguel Matos

Jornalista e advogado, é autor de "Código de Machado de Assis" (ed. Migalhas)

Na obra do conhecido escritor Machado de Assis (1839-1908), as questões eleitorais muitas vezes são a matéria-prima na costura de saborosos enredos. De fato, em seus livros há inúmeros parlamentares —e outros tantos candidatos.

Os informes são esparsos, mas possivelmente, no começo de sua vida adulta, Machado tenha acalentado o sonho de ser político. Todavia, o autor de "Dom Casmurro" nessa época não era eleitor, muito menos elegível. É que o voto era censitário, ou seja, só podia votar quem recebesse um salário ou fosse beneficiário de uma herança. E o escritor, como se sabe, era de uma família sem posses.

Aliás, não é sem motivo que numa crônica, aos 25 anos, ele pede eleições diretas "para tornar efetiva a soberania popular". No entanto, o direito de votar e ser votado do imortal só se confirma em 1877, quando ele então tem 36 anos.

Na arte de contista –a qual Machado dominou como poucos—, há algumas passagens curiosas, como em "Sereníssima República", onde se vê uma crítica contundente ao processo eleitoral; ou no clássico "O Programa", quando o protagonista Romualdo vê baldadas suas chances eleitorais, mas obtém alguns votos, que são "pedaços da soberania popular que o vestiam a ele, como digno da escolha".

No fecundo labor de cronista, o tema se torna uma constante. Num dos textos, narra-se uma pitoresca história na paulista Itu. Ali, os eleitores vendiam o voto para um candidato, mas se outro oferecesse mais dinheiro, o eleitor aceitava e, numa esdrúxula probidade, devolvia o montante ao primeiro comprador.

Outro tema abordado pelo autor de "Memórias Póstumas" é o voto feminino, clamando a possibilidade de as mulheres votarem desde 1877, direito que só foi conquistado entre nós em 1932.

Nenhum assunto eleitoral, porém, ocupa tanto a pauta do Bruxo do Cosme Velho como a abstenção. Para ele, o grande mal das eleições "é a abstenção, que dá resultados muitas vezes ridículos". E sentencia: "Urge combatê-la".

Mal poderia ele imaginar, que mais de um século depois de sua morte, a abstenção pode ser responsável por um ridículo resultado eleitoral no país, pois um dos candidatos fomenta um clima de terror, com o objetivo de provocar pusilanimidade nos eleitores do oponente, desencorajando o exercício do voto.

E se se mantiver a progressão no número de abstenções dos últimos pleitos (2006, 16,8%; 2010, 18,1%; 2014, 19,4%; e 2018, 20,3%), e preponderantemente de um lado apenas da polarização sabidamente cristalizada, teremos um assustador contingente de mais de 30 milhões de brasileiros que não exercerão este que é o maior dos direitos: escolher livremente seus representantes.

Por estas e outras, e por receio de que venha a ocorrer algo "mitologicamente" ridículo, urge combater a abstenção. Neste domingo (2), vá votar.

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