Descrição de chapéu
Mara Gabrilli

Coerência com a falta de opção

Voto em branco porque jamais verbalizaria o que não acredito

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Mara Gabrilli

Senadora (PSDB-SP) e ex-candidata à Vice-Presidência da República (2022); ex-deputada federal (2011-18) e representante do Brasil no Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Nem Lula nem Bolsonaro. Declarar meu voto em branco —e ter a coragem de ser atacada por todos os lados— tem me exposto a um Brasil em que parece não existir mais respeito ao contraditório, condição básica que sustenta qualquer sistema democrático. Um Brasil onde famílias, amizades e grupos se digladiam em defesa da verdade absoluta de cada um. Um Brasil que passou a colecionar condutas antidemocráticas.

Pergunto-me: que democracia brasileira é esta em que um discorda do direito do outro de discordar?
Na dúvida, uma pesquisa rápida sobre minha trajetória mostrará a você, leitor, porque Lula, Bolsonaro e Mara Gabrilli não convergem. Basta acompanhar meu mandato para constatar que nos últimos quatro anos trabalhei impedindo retrocessos.

Candidata à Vice-Presidência da República, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) discursa ao lado da cabeça de chapa, Simone Tebet (MDB), em São Paulo - Zanone Fraissat - 2.ago.22/Folhapress

Para além do desmonte, houve danos imensuráveis, com as inúmeras vidas perdidas na pandemia de Covid-19 —por negacionismo, ingerência, tentativa de compra de vacinas superfaturadas e, sobretudo, falta de transparência e ausência de empatia do presidente.

Eu, que flertei com a morte ao quebrar o pescoço, sempre lutarei pelo direito à vida. Não declaro meu voto a favor de Jair Bolsonaro (PL) por ser coerente com o meu trabalho e com a minha essência humana.

Por outro lado, nunca me calei sobre os nefastos esquemas de corrupção engendrados pelos governos do PT, que começaram em Santo André e culminaram nas gestões Lula/Dilma. Foi essa mesma corrupção que vitimou inúmeras famílias no ABC paulista —a minha, inclusive— e que depois se alastrou virando o mensalão e o petrolão, devastando toda a população brasileira.

Foi essa mesma corrupção que criou essa versão piorada de Lula, o próprio Bolsonaro. E, para conseguir vencer a versão piorada de si mesmo, só piorando mais. Ou seja, coerência mantida em também não apoiar o candidato do Partido dos Trabalhadores.

Deixo claro, ainda, que nada do que penso sobre ambos, no campo pessoal, insufla minha escolha pelo voto em branco. Desde o princípio não concordei com as opções postas nestas eleições. Mas, em vez da plateia ou de me esconder atrás de uma tela, escolhi sair às ruas em campanha, buscando dar aos brasileiros uma opção decente, em que a escolha não girasse em torno do menos pior. Talvez aqui tenha sido a gênese da terceira via.

Com 28 anos de tetraplegia, sinto orgulho de ter me apresentado como candidata a vice-presidente de Simone Tebet (MDB). Claro que fomos vencedoras: duas mulheres, terceiro lugar na eleição mais polarizada da história e ainda levando a causa da inclusão para outro patamar. Se hoje a posição da minha cabeça de chapa é diferente, cabe aqui uma única palavra: respeito.

Em 18 anos de vida pública —secretária, vereadora, deputada federal e senadora—, busquei consenso, e conquistamos muito. Foi assim em toda minha trajetória no Congresso, onde sempre fui oposição sensata e nunca precisei declarar voto a ninguém para conseguir atuar, tamanho o respeito que tenho pelas pessoas com quem vou trabalhar, independentemente do partido. E isso inclui a sociedade civil.

Foi assim na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, quando estimulamos a participação de brasileiros de todas as vertentes, inclusive de gestores públicos de diferentes legendas. A construção da LBI tornou-se um case de democracia.

Sempre fui de verdade, e é isso o que as pessoas esperam de mim. Declarei meu voto em branco, pois jamais verbalizaria aquilo que não acredito. Meu voto expõe o que o brasileiro deseja e não tem como opção. É um alento às vozes dos descontentes que acreditam num país menos sectário, mais diverso, inclusivo e democrático.

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