Quase sempre começa com um amor que se acredita verdadeiro. Assim como nessa história, que não se cansa de repetir. Ele a amava tanto que vivia no medo de não estar à sua altura. Delegou ao tempo a tarefa de fazer o amor se aquietar, mas ele só aumentava. E isso lhe causava raiva.
Ele se corroía de ciúme, ao mesmo tempo que isso fazia chamejar o seu desejo. Não suportava ver sua amada com ninguém, nem mãe, nem amigos. Para não enlouquecer, preferiu asfixiar o ciúme, mesmo correndo o risco de sufocar, junto, o desejo.
O amor permanecia latente. Ela era muito. Para diminui-la, ele contou para si mentiras sobre ela. Fingiu acreditar e, com razões para desprezá-la, cortou as gentilezas, os presentes, os carinhos.
Mas ela continuava plena. E ele se atormentou pelo brilho inapagável da mulher que tentava ofuscar. Aproveitou a raiva da paixão e inaugurou novos patamares de agressões: aquelas que não deixam marcas roxas, mas que causam dores mais profundas.
Mais ele a afastava de si, mais ficava infeliz. Tentou outras mulheres, odiou todas, mas depois fez aflorar falsas paixões. Conheceu de perto o amor narcísico.
Ela tentou conversar, entender o porquê. Ele optou pelo vazio, preferiu se aprisionar na liberdade de não ter que lidar com o seu amor suicida. Incorporou uma nova tortura: o tratamento do silêncio.
Ela não conseguiu mais ficar imune. Cheia de cicatrizes internas, ficou menos bela, se encolheu, se apagou... se deixou morrer.
Enxergando essa mulher mutilada, num arrebatamento ele restaurou a disposição para amá-la plenamente. Deu os presentes atrasados, os bilhetes não escritos, encheu de palavras doces os silêncios. E abriu um espaço em seu coração para caber uma tonelada de amor pelo que tinha sobrado dela: uma mulher menor, com o tamanho ideal do amor que ele estava disposto a suportar. Agora sim, estava pronto para amá-la. Mas aquela mulher já não existia mais.
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