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Patrícia Valim

Não é analfabetismo, é voto consciente

Ampla votação na esquerda reflete políticas públicas implantadas no Nordeste

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Patrícia Valim

Professora do Departamento de História da UFBA (Universidade Federal da Bahia) em cooperação técnica com a Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto)

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o primeiro turno das eleições de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conquistou 25,7 milhões de votos a mais que o total obtido pela legenda com Fernando Haddad em 2018.

Em relação à votação do ex-prefeito, Lula obteve um crescimento total de 19,3 pontos percentuais: 18 no Nordeste, 23 no Sudeste e 17 no Sul. Esses dados demonstram a consolidação política do PT no Nordeste e que, apesar de o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), ter ficado em primeiro lugar no Sudeste e no Sul, foi a diminuição da margem de votos entre ele e Lula em São Paulo, no Rio de Janeiro e no sul de Minas Gerais que fizeram o petista chegar à frente no primeiro turno com 6,1 milhões de votos a mais.

Lula em ato da campanha em Salvador, na Bahia - Felipe Iruata/Reuters

Logo após a vitória esmagadora no Nordeste, com quase 13 milhões de votos a mais de Lula sobre Bolsonaro, houve várias manifestações preconceituosas e ataques xenofóbicos contra os nordestinos, estimulados pelo atual presidente —que mentiu publicamente ao atribuir seu segundo lugar ao analfabetismo na região.

Por que Bolsonaro e seus apoiadores insistem nesse tipo de violência contra uma região e sua gente? O que o atual presidente quer negar desta vez? As respostas para essas questões passam pelo apagamento da pujança do Nordeste com os governos petistas, pois a democratização do acesso às políticas públicas alterou substancialmente todos os indicadores econômicos, sociais e culturais da região.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), entre 2001 e 2012 os nordestinos tiveram o maior ganho de renda entre todas as regiões do país, fazendo com que a participação da base da pirâmide social caísse de 66% para 45%. Como resultado, a classe média no Nordeste saltou de apenas 28%, em 2002, para 45% em 2012.

Cumpre destacar que, em 2002, apenas 5 milhões de nordestinos tinham emprego formal. Já em 2013 esse número passou para quase 9 milhões. O dado demonstra que esses postos de trabalhos, somados à política de valorização do salário mínimo no período, romperam com o destino de milhares de nordestinos obrigados a aceitar subempregos e humilhações no centro-sul do país.

Além disso, a criação de 18 universidade públicas beneficiou diretamente 28 cidades nordestinas e fez com que a região saltasse de 413.709 universitários para 1.434.825 em 2012 —assim como o total de cursos de doutorado e mestrado também cresceu 33% entre 2010 e 2012 (Inep).

A mudança na região foi tanta que o portal UOL destacou em 19 de fevereiro de 2013: "Com investimento de US$ 50 bi, Nordeste vira rota de grandes empresas". O texto reforçava o protagonismo da Bahia no notável crescimento da região: até 2015, o estado concentrava o maior número de fábrica de carros e motos, refinarias, estaleiros e siderúrgicas.

No primeiro mandato do governo Lula, a participação do Nordeste no PIB nacional foi de 12,8%. Em 2010, pulou para 13,5%, obtendo um crescimento relativo a 4,6% ao ano —acima da média nacional de 4%, porque enquanto a classe dominante do Nordeste aproveitou o forte investimento estatal para reinvestir na região, diversificar a produção e gerar novos empregos formais, boa parte dos capitalistas do Sudeste usou o dinheiro das desonerações do governo Dilma Rousseff (PT) para aplicar no rentismo (Anbima, 2019).

Os dados acima demonstram que a população nordestina vota conscientemente no PT porque trata-se de um projeto de país que reduziu as assimetrias regionais, politizando o acesso às políticas públicas dos que historicamente viveram à margem do Estado. Não à toa é a região que polariza com o analfabetismo político dos que naturalizam um governo autocrático, negacionista, antidesenvolvimentista, preconceituoso e violento.

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