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Alysson Paolinelli

Novo pacto global do alimento é oportunidade para o Brasil

Inclusão social e tecnológica conecta o agro ao projeto contemporâneo de sociedade

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Alysson Paolinelli

Agrônomo pela Universidade Federal de Lavras (MG), é um dos responsáveis pela fundação da Embrapa, ex-ministro da Agricultura e atual presidente do Fórum do Futuro

É vital refazer as pazes com a esperança. É possível, sim, construir um mundo melhor imediatamente e tecer a lógica de uma nova ordem econômica, social e ambiental que empreste sentido à trajetória das nações desenvolvidas; das mais pobres; das pessoas —especialmente os jovens, protagonistas do futuro; e do planeta.

Os imensos desafios desta era exigem repensar paradigmas políticos, de gestão e planejamento. E fortes doses de empatia e coragem para aproximar conquistas científicas e tecnológicas da realidade nas sociedades. Omissão, aqui, não é alternativa.

O ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli - Divulgação

Nesse sentido, o poderoso acervo de saber reunido pelas ciências praticadas na zona tropical pode surpreender. Este é o objetivo do livro "As Soluções Sustentáveis que vêm dos Trópicos", coordenado pelo Instituto Fórum do Futuro, na pretensão de instigar uma reflexão global sobre o potencial transformador desses conhecimentos.

Não é simples, nem fácil. Mas é lógico, desejável e factível.

Até 2050, alguns nexos centrais guiarão anseios e buscas de soluções estruturantes: o aumento da população (vamos a perto de 10 bilhões); e o incremento das demandas: alimentar (200 mil novas bocas a cada dia); de energia, mais 50%; de água, mais 40%.

Porém, nunca tivemos tantos meios científicos e tecnológicos para atuar na redução da desigualdade, no combate à fome (preço dos alimentos) e à inflação via aumento da oferta; no enfrentamento da transição climática, na contenção de fluxos migratórios forçados.

A agenda do clima não é negociável, nem o desmatamento uma opção. Porém, no mesmo plano estão a segurança alimentar e a inclusão social e tecnológica.

O Brasil é referência em democratização alimentar, assentada nos pilares da ciência e do empreendedorismo, resultado concreto do segundo maior salto da oferta de alimentos da história, nos anos 1970, embora poucos tenham assimilado este fato.

A humanidade nos pede agora o terceiro salto: mais comida e de melhor qualidade; redução de perdas e desperdício; regeneração, recuperação e preservação da biodiversidade; métricas seguras de monitoramento de ampla aplicação; e controle na governança de processos sustentáveis (ESG).

Intenções que o Fórum do Futuro tenta corporificar, na Amazônia, em Polos Demonstrativos do Projeto Biomas Tropicais, modelos replicáveis da potencialidade civilizatória dessa proposta.

O Brasil dispõe de um acervo tecnológico capaz de inserir seus próprios excluídos (cerca de 4,5 milhões de estabelecimentos agrícolas) e, ao mesmo tempo, orientar o desenvolvimento sustentável de dezenas de milhões de famílias rurais na América Latina, na África e nas estepes asiáticas.

Com prefácio do Banco Mundial e introdução da FAO, elos internacionais naturais da proposta, o livro traz 40 autores: da Embrapa, do Sebrae (ponte entre o estado da arte das tecnologias e os pequenos e médios atores), do CNPq, das universidades —USP (Esalq), Unicamp, Ufla, UFV, UFMG, Unir; FGV/Agro—, do Fundatec, da Emater (MG), da Fapero (RO), do Sicoob (RO), do setor produtivo, parceiros do projeto Biomas, e do Fórum do Futuro.

Dar visibilidade a essas tecnologias quase milagrosas ressignifica o agro tropical diante da sociedade brasileira e da comunidade global:

1 - Impacto Mínimo da Produção de Alimentos sobre a Natureza (ILPF): para a Esalq/USP, o sistema de integração e intensificação da produção é capaz de dobrar o volume de alimentos sem promover desmatamentos. Materializa o valor econômico da floresta em pé, várias vezes maior do que a do extrativismo e da floresta tombada;

2 - Sequestro de CO2: parte considerável das emissões globais pode ser sequestrada para solos do agro regenerativo tropical, indicam estudos de instituições brasileiras;

3 - Gestão sustentável da água: sistemas modernos de irrigação ampliam a eficiência no uso e a qualidade da água (sustentabilidade e produtividade);

4 - Bioenergia: o Brasil, pioneiro no combustível de biomassa (o Pró-Álcool, dos anos 1970), estuda agora a viabilidade de transformar o etanol em hidrogênio verde.

E há muito mais.

Na visão de Estado, a inclusão social e tecnológica dos povos tropicais é um anseio, mas também um dever. Cabe redirecionar recursos e energia empregados nas consequências para focar na origem dos problemas. Condenados ao extrativismo, sem acesso às tecnologias sustentáveis, pequenos e médios produtores são forçados a reproduzir o modelo desmatador, de baixa produtividade e graves efeitos.

Podemos gerar milhões de empregos. Verticalizada sua produção, a Amazônia pode se transformar no maior celeiro global de produtos naturais. E disseminar transbordamentos econômicos, sociais e ambientais a partir das oportunidades de negócios e de renda que a bioeconomia tropical oferece. Aí o pilar mestre do próximo ciclo de expansão do capitalismo brasileiro.

A possibilidade de um alinhamento estratégico que redireciona o curso da história é uma chance singular.

No mercado internacional do trabalho, a bioeconomia é a fatia onde as nações tropicais podem competir. Esse direito e suas repercussões sobre o futuro da humanidade justificam o debate sobre um novo pacto global do alimento.

A inclusão social e tecnológica remove preconceitos, conecta o agro ao projeto contemporâneo de sociedade e o reprograma como ativo num novo mapa da rota civilizatória.

É mais barato, estratégico e econômico incluir pessoas e valorizar a ciência do que pagar a conta do prejuízo hoje compartilhado entre todos. Trata-se de uma mobilização sociedade, mas é imperioso o reposicionamento do Estado —Executivo, Legislativo e Judiciário.

Uma grande causa para um dos momentos mais dramáticos da história humana.

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